Neste domingo, o coronel Hugo Chávez consuma mais um atentado às
liberdades na Venezuela, fechando a RCTV, a única rede de televisão
que ainda faz oposição a seu governo. Na terça-feira, o Tribunal
Supremo de Justiça, inteiramente controlado por Chávez - que também
domina o Legislativo -, decidiu que o presidente da República pode
não renovar a licença de funcionamento da emissora de televisão. A
corte não tomou conhecimento do fato, levantado pelos proprietários
da RCTV, de que a licença de funcionamento só expira dentro de dois
anos - e assim ficou valendo a interpretação do coronel Chávez, de
que o prazo expira hoje. Numa sentença subserviente, o Tribunal
decidiu ainda que o fechamento da RCTV não representa cerceamento do
direito de expressão.
A RCTV, fundada há 53 anos, é a emissora de maior audiência na
Venezuela, graças a uma programação equilibrada de novelas, programas
de variedades e um jornalismo independente. Não foi à toa que uma
pesquisa de opinião feita em abril pela Datanalisis revelou que 70%
dos venezuelanos se opunham ao fechamento da emissora, e 40% das
pessoas consultadas se declararam chavistas. Sindicatos e
organizações não-governamentais organizaram manifestações de rua, com
a presença de milhares de pessoas, contra o fechamento. A Organização
dos Estados Americanos, o Senado chileno, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos e a Sociedade Interamericana de Imprensa, além de
organizações ligadas à União Européia, protestaram contra mais esse
atentado à liberdade de expressão e pediram ao presidente Hugo Chávez
que reconsiderasse sua decisão.
Mas Chávez foi irredutível. "Digam o que disserem, façam o que
fizerem, urrem o quanto quiserem, a licença não será renovada",
garantiu. De fato, a decisão de Chávez é monocrática e autoritária.
Ele acusa a RCTV de ter apoiado o golpe que o tirou do poder por 48
horas, em 2002. Naqueles dois dias a emissora transmitiu apenas
filmes e vídeos musicais. Chávez nunca processou a emissora e seus
diretores e todo o caso montado contra a RCTV baseia-se em
declarações feitas por ele em seus programas semanais em rede
nacional de rádio e televisão.
A RCTV paga o preço de ser independente. As outras emissoras privadas
de rádio e televisão há anos chegaram a bons termos com o coronel
Chávez e, por isso, não são incomodadas. Mas a RCTV, dirigida por
Marcel Granier, continuou fazendo um jornalismo objetivo, chocando-
se, por isso mesmo, com o projeto bolivariano. Num primeiro momento,
Chávez tentou cooptar a direção da rede. Como isso não funcionou,
passou para o método da coação financeira e da intimidação física.
Cerca de 150 funcionários da RCTV - denuncia Granier - já foram
agredidos por integrantes dos Círculos Bolivarianos. No pior
atentado, um caminhão em chamas foi projetado contra a entrada
principal do prédio da RCTV. Os autores desses atentados nunca foram
identificados.
Agora, o coronel Hugo Chávez cala a RCTV fazendo uso dos imensos e
arbitrários poderes que acumulou, entre eles o de editar leis
delegadas, que não passam pelo Congresso.
No lugar da RCTV, nas mesmas freqüências, irá ao ar, ainda hoje, a
Teves, da recém-criada Fundação Televisora Venezuelana Social, que se
somará às três redes estatais já existentes.
O coronel Hugo Chávez, que já controla as instituições do Estado
venezuelano, agora se dedica a ampliar e consolidar o controle da
sociedade. Na terça-feira anunciou a criação de uma polícia
comunitária, formada por militantes bolivarianos. Essa polícia de
bairro deverá integrar os Conselhos Comunitários, organizações
chavistas concebidas para esvaziar as funções dos prefeitos municipais.
O pretexto para a formação da polícia comunitária é o combate à
criminalidade. Mas o modelo de Chávez, para variar, é Cuba. Segundo
ele, o problema da segurança pública é explosivo em toda parte.
"Agora, se você vai para Havana, é muito raro que se registre algum
homicídio, porque tem outro modo de vida, que não é esse modo
consumista." Pois à moda dos Comitês de Defesa da Revolução do
companheiro Fidel, ele cria a sua polícia de bairro, que não é para
combater o crime, mas para impor lealdade à "revolução".