Há mais de cinco anos, desde o início do primeiro mandato, em 2003, a opinião pública ouve dos Poderes Executivo e Legislativo essa lengalenga de que alterar o sistema tributário é prioridade absoluta, inadiável. "Só Deus vai me impedir de fazer as reformas", jurou o presidente Lula em 2003. E se Deus castiga? Lula fez uma meia-sola fraca, pálida e medíocre na Previdência, a sindical foi às avessas (em vez de eliminar o imposto sindical, distribuiu mais dinheiro público entre as centrais), não mexeu na trabalhista, a tributária não andou e passeia sonâmbula pelo Congresso e a reforma política ele empurrou para senadores e deputados que só aceitam alterar o que é de seu interesse, não da sociedade.
O presidente Lula deixou escorrer fácil, pelos dedos da mão, dois momentos oportunos e valiosos para fazer as reformas - em 2003 e 2007, após sair-se vitorioso de duas eleições, com força e autoridade política para tocar projetos de difícil compreensão e aceitação popular, mas absolutamente indispensáveis para o desenvolvimento do País. Reformar o que não serve mais, por estar desatualizado e em dissonância com o tempo, implica mexer em interesses enraizados, derrotar credos conservadores. Resistências surgem e, se há interesses corporativos em jogo, se juntam gritos, protestos e esperneios. Nada que não possa ser demovido por um presidente eleito pela maioria e que governe olhando o interesse de todos os brasileiros, não o de minorias barulhentas.
Quando assumiu o governo, em 2003, Lula renegou o passado de oposição oportunista, metamorfoseou-se e, finalmente, se convenceu de que as reformas são fundamentais para o progresso econômico, para multiplicar empreendimentos, e para aumentar renda e empregos. Mas foi politicamente fraco, rendeu-se a lobbies corporativos e individualistas. Depois de intermináveis escândalos de corrupção em cena, Lula assumiu um estilo de governar do antiestadista, que prefere fazer as coisas erradas a ter de enfrentar lobbies corporativos e barulhentos que possam abalar sua imagem pública. Com malabarismos conseguiu isolar-se dos escândalos, readquiriu popularidade, mas tomou o gosto pelo estilo populista de governar e abandonou de vez as reformas.
Até 2010, quando termina este governo, não se espera a retomada das reformas. A não ser a tributária, já tão desfigurada por remendos e remendos que antecederam o projeto enviado ao Congresso. Mesmo assim, se ela não for aprovada em 2009, melhor esquecer, visto que o estilo antiestadista-populista de Lula vai empurrá-la para depois de 2010. Afinal, sua popularidade não pode correr nenhum risco de abalo no ano em que o País vai escolher seu sucessor. Ele prefere entrar para a história como o presidente que desperdiçou oito anos e não fez as reformas do que sair do governo com alguns pontinhos a menos em popularidade.
Há ainda a esperança de completar o que a reforma da Previdência de 2003 deixou em aberto: igualar a aposentadoria dos servidores públicos à de trabalhadores privados regulados pelo INSS. Mesmo abrangendo só os funcionários civis que ingressaram no governo após a reforma de 2003, a mudança é um bom passo para o equilíbrio das contas públicas no futuro. Mas, se vier a ser enviado ao Congresso projeto nesse sentido, será resultado do esforço de um grupo de técnicos do Ministério da Previdência, já que não surgiu no cenário nenhuma manifestação de apoio à idéia partida do presidente da República ou do ministro da área. Será que vinga?
Em suplemento que publicou há dias sobre o Brasil, o jornal britânico Financial Times escreve que nosso país marcha para a condição de superpotência econômica, mas condiciona este status à realização das reformas e à busca de eficácia no funcionamento de serviços públicos. Até 2007 o governo Lula surfou em ondas gloriosas da economia mundial. Não aproveitou para fazer as reformas. Agora o mundo começa a enfrentar maus tempos e o Brasil não está imune. Com certeza estaria mais bem preparado se as reformas estivessem em vigor.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio. E-mail: sucaldas@terra.com.br