O problema é que a presença do Estado está quase inteiramente circunscrita às fronteiras nacionais. À medida que se globalizam, os mercados escapam às regulações e avançam para a autofagia, deixando no caminho um rastro de vítimas.
Há anos, por exemplo, os pensadores pedem regulação global para as finanças globais e não conseguem. Sempre que estoura uma bolha especulativa qualquer, como a das hipotecas nos Estados Unidos, autoridades de todos os calibres pedem mais controle. Mas param por aí. Não conseguem dizer como se faz isso.
A inflação é agora também fenômeno global. É um processo darwiniano de ajuste ao desarranjo atual que se caracteriza pela demanda maior de alimentos, matérias-primas e energia do que a capacidade de oferta do sistema produtivo. Nessas condições, pode ser combatida pelos mecanismos convencionais de política monetária (política de juros), mas não existe instituição que seja capaz de contra-atacar globalmente a escalada.
Como já foi várias vezes tratado por esta coluna, os bancos centrais não passam de instituições que agem apenas localmente, como se a inflação não passasse de pressão de custos, que chega como um dado produzido fora da economia nacional.
Os grandes fundos (de pensão, de investimento, de hedge, de equities) operam planetariamente, levantam e derrubam cotações e não dispõem de agências globais que os regulem. Tampouco dispõem de instituições emprestadoras de última instância.
Chefes de Estado, autoridades e analistas internacionais pedem regulação para os fundos soberanos, que até 2010 administrarão patrimônios da ordem de US$ 10 trilhões. Mas ainda não há sequer informações confiáveis sobre o que fazem essas instituições. Também acertada ou erradamente, pedem controle sobre o jogo dos mercados futuros, mas não avançaram uma proposta viável nessa direção. Outra vez, não existem instituições globais para isso.
Por todo o mundo, as grandes empresas se atiram a frenéticos processos de fusão e incorporação de negócios. A concentração é cada vez maior e, no entanto, os organismos de defesa da concorrência não conseguem atuar fora de seus limites paroquiais. São eficientes para punir o oligopólio de padarias em determinadas comunas, mas são incapazes de impedir megafusões de cervejarias ou de empresas de mineração.
Enquanto os capitais circulam quase livremente à velocidade da luz, 24 horas por dia; enquanto mercadorias e matérias-primas circulam com relativa liberdade ao redor do mundo, o terceiro fator de produção, o trabalho, sofre enormes restrições locais. As políticas demográficas e migratórias são calamitosas. Não há o que as uniformize nem o que as regule.
O exemplo de maior avanço na integração entre Estados nacionais capaz de unificar políticas é a União Européia. Mas é um bloco que não consegue aprovar sequer uma constituição comum e ameaça ficar ingovernável.
Assim, as distorções vão-se multiplicando e não há quem tenha idéia de como pôr ordem no jogo em que tantas mãos, visíveis e invisíveis, pintam e bordam nos quatro pontos cardeais.