O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
Depois dessa vitória, o governo de Bogotá resolveu transformar a passagem da data nacional do país, este ano, em marco da luta pela libertação dos mais de 700 cativos em poder das Farc, promovendo manifestações de massa nas principais cidades colombianas (que se reproduziriam em 90 centros do exterior). A celebração oficial foi em Letícia, na fronteira com o Brasil e o Peru. Ali, junto com o anfitrião e o peruano Alan Garcia, com os quais assinaria um acordo de cooperação militar contra a droga e o contrabando na região, Lula molhou as mãos com tintas azul e amarela, as cores colombianas, para imprimi-las num muro grafitado com apelos pela liberdade dos seqüestrados.
E assim Lula deixou a marca que simboliza a sua nova condição de aliado de Uribe no combate ao farquismo. Antes tarde, é o caso de dizer. Por sinal, no seu primeiro discurso em Bogotá, depois do cativeiro, Ingrid não incluiu o governo brasileiro entre aqueles aos quais agradeceu por seus esforços para libertá-la - e, efetivamente, não teria por que fazê-lo.
Agora, a página da omissão parece virada. Doravante, se quando a soltura dos reféns passar por algum tipo de negociação internacional, o Brasil estará a postos. A aproximação com Uribe credencia o presidente brasileiro a contribuir para a cicatrização do problema nas relações entre a Colômbia e o Equador, aberto quando da incursão colombiana à área de fronteira do país vizinho, em 1º de março, para um bem-sucedido ataque a um acampamento das Farc no local.
Mais importante para Lula, de todo modo, era superar a relutância de Uribe - cujas razões o governo brasileiro considerava obscuras - diante do polêmico projeto do Conselho de Defesa da América do Sul, concebido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Apresentada na reunião de maio da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em Brasília, a proposta foi praticamente ignorada pelos participantes, a começar dos colombianos. Outro interesse do Planalto é o de aquecer o comércio entre os dois países, que movimenta apenas US$ 2 bilhões (com superávit para o Brasil), o que levou à inclusão de empresários na comitiva presidencial. Nesse contexto, deve-se registrar o financiamento de US$ 650 milhões concedido pelo BNDES para que a Camargo Corrêa e a Odebrecht construam uma ferrovia ligando o altiplano colombiano ao litoral atlântico do país, com um ramal que chegará até a siderúrgica recentemente comprada pela Votorantim.
A propósito, antes de chegar a Letícia, Lula esteve em Riberalta, no extremo norte boliviano, onde assinou um protocolo para emprestar ao governo de La Paz US$ 230 milhões, destinados à construção de 508 quilômetros de estradas de rodagem. Riberalta fica no Departamento de Beni, o quarto a votar pela autonomia (depois de Santa Cruz, Pando e Tarija, os mais ricos do país) em relação ao poder central. E em 10 de agosto a Bolívia votará no referendo convocado pelo presidente Evo Morales sobre a sua permanência no governo - derrotado, convocará novas eleições. Naturalmente, a presença de Lula e de dinheiro brasileiro contam pontos para Evo, mas o que parece mover a oferta são interesses de empresas nacionais operando (ou podendo vir a operar) na Bolívia. Esse é o sentido do anúncio genérico do presidente sobre novos investimentos da Petrobrás no país, em joint ventures com a YPFB, a companhia energética nacional.
Desde a nacionalização do setor, em 2006, a Petrobrás investe na Bolívia o estritamente necessário para a manutenção de suas operações. A empresa é o maior produtor e comprador de gás natural boliviano. São 30 milhões de metros cúbicos importados por dia. O suprimento está contratado até 2019. "É necessário que prevaleça a visão de longo prazo", exortou Lula.