ARTIGO - João Mellão Neto |
O Estado de S. Paulo |
18/7/2008 |
Logo depois do meu período universitário, ele era incensado por todos. Daniel Dantas era conhecido como o jovem mais inteligente do Brasil. Discípulo preferido de Mário Henrique Simonsen na Fundação Getúlio Vargas (FGV), fazia uma carreira brilhante na iniciativa privada, trabalhando como consultor para grandes empresários do Rio de Janeiro e recebendo como paga fortunas astronômicas. Sempre ouvi falar dele com respeito e admiração. Por pouco não foi ele o ministro da Fazenda de Fernando Collor, no lugar de Zélia Cardoso de Mello. Algumas intrigas palacianas o impediram de assumir o cargo. Até então, ele era do bem. O que faz um homem mudar tanto de índole e personalidade? Quem cruzou com ele em meados da década de 90, encontrou uma pessoa totalmente diferente. Daniel Dantas deixara de trabalhar para grandes grupos econômicos e passou a se dedicar às suas próprias negociatas. Aquele que tinha sido o pupilo dileto de Simonsen, o “rei do mercado”, resolvera se dedicar a negócios, quase sempre escusos, com a banda podre do Estado. Eis o exemplo de um homem que se valeu de todo o seu talento e preparo com a finalidade exclusiva de ludibriar. Ludibriar os governantes, ludibriar os investidores e ludibriar a opinião pública. Para tanto não hesitou em comprar consciências, despertar a cupidez de altos burocratas, cegar de ambição gente até então tida como proba e idônea. Dantas fez um grande mal para o Brasil. E tanto mais inteligente ele venha a ser, piores os estragos que causou ou pode vir a causar. Ele descobriu aquilo que todos, a bem da sociedade, vínhamos negando - qual seja, que cada homem tem o seu preço. E - o que ainda é mais nefasto - ele sabe quanto vale cada um. Munido de tais “talentos”, ele logrou fazer uma carreira nas sombras da administração pública, sempre vendendo caro o que adquirira por uma pechincha, ou alienando por um valor exorbitante aquilo que não lhe custara nada para se vir a apossar. Dantas tem o talento inato de encantar as pessoas. E quanto mais alto o posto que essas pessoas ocupam na hierarquia, maior é a sua capacidade de persuadi-las. Ele tem intimidade com presidentes de estatais, ministros de Estado e até mesmo presidentes da República. Um homem com tais intenções e relacionamentos que grandes cataclismos tem o poder de causar às nossas instituições! Eu, pessoalmente, prefiro o Daniel Dantas dos tempos da FGV. Era alguém, ao menos, que se podia admirar. O Brasil perdeu um gênio, alguém que sabia colocar as palavras certas nas frases certas. E, dessa forma, arrebatar as multidões. Esse homem se foi. Tomado, talvez, por tormentas de vil metal. Restou-nos um homem frio e insensível, para não dizer inescrupuloso. Um homem que se deita e levanta com uma única preocupação na cabeça: quanto vou ganhar hoje, quem será o otário que me vai proporcionar essa oportunidade? A que ponto se reduzem os seres humanos! Dinheiro é bom, seria hipocrisia negar esse fato. Mas viver unicamente em função dele é tornar-se escravo de seus caprichos, é condenar-se à indigência emocional. Se para amealhá-lo, então, há que vender a alma ao demônio, há que abrir mão de uma boa reputação, de que serve ele, afinal? Não tenho o menor apreço, o menor respeito pelo Daniel Dantas de hoje em dia. Diferentemente do respeito e da reverência que nutro por Mário Henrique Simonsen. Mário Henrique foi coerente até o fim. Jamais abriu mão de seus ideais. Nunca permitiu que o fausto ou o poder lhe subissem à cabeça. Terminou os seus dias ocupando a mesma cadeira empoeirada que lhe serviu de assento por décadas a fio na FGV. Ao seu enterro, como último tributo, compareceram as figuras mais ilustres e respeitáveis da República, mesmo aquelas que discordavam de suas idéias. Quem fará presença no velório de Daniel Dantas? Afinal, ele é o herdeiro intelectual de Mário Henrique. Duvido que venha a comparecer qualquer um dos condestáveis que prestigiaram Simonsen. Afinal, ele é um desprezível traidor da causa. Ao seu enterro, se muito, se farão presentes todos os parasitas do Estado que com ele enriqueceram, ou a quem ele ofereceu oportunidades de enriquecer. Gente que não deveria estar num campo santo, mas sim cumprindo pena em alguma penitenciária. A Justiça norte-americana adota um procedimento muito singular quando o réu se trata de uma celebridade: as penas, em geral, são muito mais severas. Entendem os magistrados do norte que, justamente por serem celebridades, os transgressores deveriam cuidar muito mais de sua imagem, uma vez que os seus comportamentos acabam servindo de exemplo para milhares de admiradores. De mais a mais, esses ídolos populares não precisam se esforçar para ganhar dinheiro, vivem no luxo e no fausto e, não raramente, tiveram a oportunidade de usufruir uma educação diferenciada. Não há por que ter complacência por eles. Da mesma forma que, guardadas as proporções, ninguém se deve compadecer de Daniel Dantas. Antes de enveredar pelos tortuosos caminhos da pilantragem, Dantas já auferia fortunas por meio das concorridas consultorias que dava, gozava de prestígio ímpar por ser o braço direito de Simonsen e era recebido com reverência em qualquer escritório presidencial do Rio de Janeiro. O problema é que tudo isso não lhe bastava. Ele queria mais, muito mais. Deus castiga os ambiciosos, reza a Bíblia. No que tange a Dantas, parte da pena ele já recebeu. Talvez não vá para a cadeia, como acreditam os mais crédulos. Mas o seu prestígio, a sua honradez são coisas que, sem dúvida, ele já perdeu. |
Entrevista:O Estado inteligente
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