O Globo |
4/7/2008 |
A propensão a permanecer no poder o maior tempo possível não é uma característica de políticos nem de esquerda nem de direita, nem mesmo de políticos da América Latina, como seria justo pensar-se diante da segunda onda de tentativa de ampliar o número de mandatos presidenciais consecutivos, que começou com Hugo Chávez, na Venezuela, e hoje tem em Álvaro Uribe, da Colômbia, seu novo protagonista. Depois da espetacular ação de resgate da ex-senadora Ingrid Betancourt e outros reféns das Farc, o presidente da Colômbia consolidou sua popularidade em torno de 80% e provavelmente insistirá na tese do terceiro mandato consecutivo, o que só o fará comparável ao adversário Chávez, ofuscando sua fama de estadista moderno, já bastante arranhada com as acusações de compra de votos para a reeleição em 2006, e ligações diretas com grupos paramilitares. É singular na história política o exemplo de George Washington, que cumpriu um mandato de presidente nos Estados Unidos e, embora podendo se recandidatar sem limitações pela lei de então, retirou-se para sua fazenda, num gesto considerado de "grande estadista" na História contemporânea. Libertando Ingrid Betancourt em uma ação militar exitosa, apesar das pressões internacionais e da família da ex-senadora para negociar com os narcoguerrilheiros, Uribe fortaleceu-se internamente e desmentiu o arquiteto Juan Carlos Lecompte, marido de Ingrid, segundo quem, o presidente não tinha interesse de lutar pela libertação porque a ex-senadora, que quando seqüestrada era candidata à Presidência da Colômbia, seria uma forte competidora na sua tentativa do terceiro mandato. Ingrid era senadora em 2002 e obteve apenas 0,5% dos votos pelo Partido Oxigênio Verde, mas hoje, não apenas a causa ecológica ganhou maior ressonância, como também ela se transformou em um símbolo de resistência política contra as Farc e pode tornar-se o símbolo de oposição ao governo de Uribe, embora suas primeiras palavras tenham sido de elogios ao governo dele. Mas o fato é que, além dos países parlamentaristas, cujos primeiros-ministros podem ficar indefinidamente no poder caso seus partidos obtenham a maioria do Parlamento, apenas a França, entre os países democráticos desenvolvidos, permite a reeleição indefinida de presidentes. Aprovada, aliás, da mesma maneira que Chávez pretendia fazer na Venezuela, e como Uribe ainda quer na Colômbia: por meio de referendo convocado em 2000 pelo então presidente Jacques Chirac. A proposta de reduzir o mandato de sete para cinco anos, mas com direito à reeleição direta indefinida, venceu com o voto de apenas 30% dos eleitores. Desses, mais de 70% aprovaram, mas a forte abstenção, de quase 70%, mostra que o mecanismo é no mínimo controverso. Também nos Estados Unidos a possibilidade de reeleição indefinida provocou controvérsia e acabou após a morte de Franklin Roosevelt, em 1945, quando exercia o quarto mandato seguido. O democrata Roosevelt, lembra o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, no Rio, considerado dos grandes estadistas modernos, operou mudança radical na política dos Estados Unidos com o New Deal, num país em que o Estado cumpria funções mínimas na economia, com tradição liberal forte, que gerou muitos protestos entre os republicanos. Houve muito conflito em torno do New Deal, e a Suprema Corte ameaçou considerá-lo inconstitucional. Roosevelt ameaçou usar sua maioria parlamentar para aumentar o número de juízes e encher a Corte de democratas. A mesma atitude adotada pelo presidente argentino Carlos Menem nos anos 90, e que Chávez adotou recentemente. Encurralada, a Suprema Corte aceitou a tese de que era um momento político único, admitindo que o Executivo ampliasse os "limites da constitucionalidade". Mas, com a morte de Roosevelt, tomou-se a decisão, através da emenda constitucional 22, de que nenhum presidente poderia se reeleger mais de uma vez, não havendo nem mesmo a possibilidade de se candidatar a outro cargo qualquer depois da Presidência. Aqui no Brasil, projetos políticos de perpetuação no poder são comuns, mesmo em tempos democráticos. O grupo político de Fernando Collor quando chegou ao poder, anunciava que ali permaneceria por 20 anos. O principal articulador político do PSDB, Sérgio Motta, dizia que o projeto tucano era de 20 anos. Collor, retirado da Presidência por um impeachment, não teve tempo de revelar se pretendia se perpetuar no poder ou se um seguidor seu o sucederia. O PSDB patrocinou a implantação da reeleição no país, o que lhe valeu denúncias de compra de votos nunca comprovadas, transformando Fernando Henrique Cardoso no primeiro presidente reeleito na História do país, e namorou a idéia do terceiro mandato consecutivo do presidente, ou a implantação do parlamentarismo. Fernando Henrique poderia fazer o que Vladimir Putin realizou agora na Rússia, passar de presidente a primeiro-ministro sem perder o poder. A primeira onda de tentativa de permanência estendida no poder estava a pleno vapor, com Fujimori, no Peru, e Menem, na Argentina, tentando manobras para viabilizar um terceiro mandato. Fujimori teve de fugir do país, naturalizando-se japonês, e hoje está preso no Peru. Menem desistiu do terceiro mandato, mas foi preso, acusado, entre outras coisas, de venda ilegal de armas. Assim como naquela época a companhia de Fujimori e Menem e a crise econômica tornaram a idéia de um terceiro mandato inviável politicamente, hoje a companhia de Chávez e, sobretudo, a derrota do governo venezuelano no referendo, faz com que o governo Lula se afaste formalmente da idéia de um terceiro mandato, que, no entanto, encanta setores do PT e da base aliada, que por enquanto não têm candidatos viáveis à sucessão. Resta saber o que acontecerá com a voracidade de Uribe, e até que ponto os EUA apoiarão essa aventura, que é antidemocrática no seu cerne, apesar dos êxitos do governo no combate ao narcoterrorismo e a recuperação da segurança pública nas grandes cidades. |
Entrevista:O Estado inteligente
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