Se o presidente Lula disse que não há razão para deixar de dormir por causa da inflação apenas para não espalhar o pânico entre os brasileiros, vá lá que seja, embora essa não seja uma atitude nova, nem muito menos eficaz para combater o que os governantes gostam de chamar de “aspectos psicológicos” da inflação. Por essa teoria, em vez de tomar atitudes para combater as causas da inflação, o governante tem que aparentar que nada está acontecendo. Como se o cidadão não sentisse no bolso os efeitos da corrosão de seu poder de compra tão imediatamente, ou mais rápido, quanto sente que ele está melhorando. Pois a cesta básica já aumentou até 50% em algumas regiões do país.
Enquadra-se também nesse trabalho psicológico o anúncio oficial de que o superávit primário ficou em 6,5% do PIB nos cinco primeiros meses do ano, como se esse fosse um resultado alcançável ao final de 12 meses. Na verdade, trata-se apenas de uma “curiosidade estatística”, pois uma análise dos números oficiais mostra uma realidade bem diferente. Comparando o ano de 2007 com os últimos 12 meses até maio, o superávit primário aumentou de 3,97% para 4,34%, dentro da nova meta do governo.
O problema é que o governo não parou de aumentar seus gastos, produzindo pressão inflacionária, e o aumento do superávit está sendo conseguido às custas de cortes em investimentos ou aumento da arrecadação. O economista Fábio Giambiagi, do BNDES, mostra em um trabalho que esse é um processo histórico que se inicia com a redemocratização do país a partir de 1985, mas foi acelerado pelo atual governo, depois de 2003.
A trajetória da política fiscal brasileira desde quando existem indicadores desenvolvidos para acompanhar receitas e despesas, a partir de 1991, mostra que o gasto primário do governo central passou de menos de 14% do PIB em 1991, para uma estimativa de mais de 22% do PIB em 2008. Nesse mesmo período, a receita do governo central escalou de menos de 15% do PIB para 25% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 36% do PIB.
A taxa média do governo Lula não é muito maior do que a de Fernando Henrique porque em 2003 o gasto caiu muito devido à inflação e à necessidade de conter os gastos, ficando negativo em 3,2% do PIB pela primeira vez em muitos anos. De 2004 em diante, o aumento médio foi de 8 a 9%.
O economista Alexandre Marinis, da Mosaico Consultoria, acha que o ponto fundamental a entender é que o período de inflação em alta que o mundo atravessa é resultante da depreciação do dólar e da alta dos preços de commodities e alimentos impulsionada pelo crescimento das economias emergentes, combinado com uma desaceleração econômica, devido à crise americana.
“Sendo assim, os bancos centrais terão de elevar os juros a fim de conter a inflação, mas, provavelmente, não poderão fazê-lo na intensidade e na velocidade desejadas, para não correrem o risco de jogar os países em uma recessão”.
Neste contexto, diz Marinis, terão maior sucesso e menor custo no combate à inflação aqueles países que puderem reforçar a elevação dos juros com um aperto dos gastos do governo.
Na sua análise, o governo Lula atravessou os últimos anos de bonança internacional aumentando o tamanho do Estado, contratando funcionários, dando reajustes generosos e crédito abundante para servidores e aposentados, além de elevar substancialmente o salário mínimo e, mais recentemente, os benefícios do Bolsa-Família. “Agora, que chegou a hora de apertar o cinto, descobriremos que a barriga cresceu demais e a calça não fecha”.
Como não é possível reduzir o tamanho do Estado da noite para o dia, a única forma real de conter gastos continua sendo o indesejável corte dos investimentos públicos, mas isso Alexandre Marinis acha que o governo não fará na proporção necessária “primeiro porque é ano de eleição municipal e, segundo, porque cortar o PAC equivaleria a reduzir as chances de Lula eleger seu sucessor em 2010”.
Nesse cenário, ele acha que haverá pouco a fazer, “a não ser acompanharmos a alta da inflação e a erosão gradual do poder de compra da população, principalmente dos mais pobres, até que a economia se desacelere.
Quem sabe, quando isso ocorrer, Lula perceberá que foi um erro ampliar o tamanho do Estado, pois, sempre que isso ocorre, quem paga a conta são os mais pobres”.
Tudo indica que a aceleração da inflação já está afetando a popularidade do presidente Lula, mesmo que a última pesquisa CNI/ Ibope, referente ao mês de junho, indique que ele mantenha índices ainda altos. O cientista político Sérgio Abranches considera que a popularidade do presidente pode ter chegado, em março passado, ao auge do ciclo de alta que se iniciou no mês de outubro de 2006, quando a popularidade atingiu 50% e a popularidade líquida — isto é, ótimo e bom descontados de ruim e péssimo, descartandose o “regular” — chegou a 54%.
Abranches lembra que, em dezembro de 2006, esse ciclo teve seu primeiro pico, com a popularidade chegando a 57% e a líquida a 63%. O segundo pico se deu em março passado, com 58% de popularidade e 68% de popularidade líquida. Em junho, o pico de popularidade se manteve em 58% e a popularidade líquida caiu para 66%. “Marcas impressionantes, mas que podem já indicar o auge, com risco de declínio, se as condições econômicas continuarem a deteriorar”, analisa Abranches.
As indicações mais fortes desse auge ameaçado de declínio estariam nas perdas localizadas de popularidade registradas pela pesquisa: caiu 7 pontos entre março e junho, entre os jovens de 15 a 24 anos; 4 pontos entre os que têm escolaridade da 5aà 8aséries do fundamental; 13 pontos no Nor te/Centro Oeste; 6 pontos nas capitais; 4 pontos na faixa de renda entre 2 e 5 mínimos e 18 pontos, na faixa com mais de dez mínimos; e 3 pontos nas cidades com mais de cem mil habitantes, única queda na franja da margem de erro.
Entrevista:O Estado inteligente
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