Deputado encarregado de analisar o comportamento dos colegas
já foi acusado de lenocínio, receptação de jóias, agressão...
Alexandre Oltramari
Ana Araújo |
Sérgio Moraes chegou a ser condenado à prisão por envolvimento com uma casa de prostituição |
O deputado federal Sérgio Moraes (PTB-RS) é um estreante no Parlamento, mas já angariou um imenso prestígio entre seus pares. Em apenas dezessete meses de mandato, ele foi escolhido para um dos postos mais importantes do organograma da Câmara dos Deputados: a presidência do Conselho de Ética. O cargo, que garante visibilidade e poder, principalmente em decorrência dos sucessivos escândalos de corrupção envolvendo políticos, exige isenção para expurgar amigos e correligionários quando necessário. Seu ocupante deveria apresentar, além disso, uma biografia acima de qualquer suspeita. O deputado Moraes não tem esses requisitos. O corregedor da Câmara, Inocêncio Oliveira, acusou-o de atrasar propositalmente a abertura do processo de cassação do deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, envolvido em um esquema de desvio de dinheiro do BNDES. Moraes também já foi questionado por responder a ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas é bisonha: manter um telefone público na casa do próprio pai. A parte mais constrangedora do currículo do parlamentar gaúcho, porém, data do início de sua carreira política, quando ele foi acusado de receptação de jóias roubadas e de envolvimento com uma rede de prostituição – crime pelo qual chegou a ser condenado em primeira instância.
Moraes começou a pavimentar sua trajetória em Santa Cruz do Sul, situada a 155 quilômetros de Porto Alegre. A cidade deu a ele dois mandatos de vereador, dois de deputado estadual e dois de prefeito. Filho de um tropeiro e de uma dona-de-casa, Moraes não chegou a concluir o ensino médio e iniciou sua vida profissional como vendedor de consórcios. Sua fama na região adveio de suas atividades como empresário, mais precisamente como dono da boate Strattus 86, um conhecido ponto de encontro de garotas de programa no fim dos anos 80. Na época, o então vereador conciliava política e negócios com a ajuda da companheira, Neiva Teresinha Marques, conhecida como "Kelly", mãe de cinco de seus seis filhos. "Todo mundo ia lá. Tinha a noite do chucrute, a noite do chope, a noite da banda nativa. Nunca teve show de strip-tease nem programa sexual. Mas eu não poderia impedir que as pessoas saíssem dali e fossem para o motel", explica ele. A polícia, no entanto, descobriu que a casa de diversão não era um negócio tão inocente como afirma o deputado. Os investigadores identificaram uma casa nos arredores da boate onde moravam seis garotas de programa, três delas menores de idade. O local havia sido alugado por Moraes, mas no contrato de locação constava o nome de Kelly. Em depoimento, as jovens relataram suas atividades na boate Strattus 86 e, por causa dos depoimentos, Moraes foi indiciado, juntamente com a companheira, por lenocínio e favorecimento à prostituição.
Divulgação |
A mulher do deputado, Neiva Marques, a Kelly: ela também foi indiciada |
As investigações ainda indicaram o envolvimento dele em outro crime cabeludo: receptação. Um conhecido ladrão da região, Edgar Silveira da Rosa, foi preso e contou à polícia que vendia jóias roubadas ao próprio Moraes no interior da Strattus 86. O ladrão era especialista em atacar famílias estrangeiras que moravam na cidade e narrou que negociava as jóias com o então vereador e suas colegas de trabalho. Além do depoimento do bandido, a polícia localizou uma vítima que contou ter pago ao deputado para "recuperar" suas jóias. Era a prova de que Moraes e suas garotas eram os destinatários finais da mercadoria roubada. O deputado foi acusado de receptação. "Era uma coisa braba", lembra, com economia de palavras, o delegado João José da Silva, responsável pela investigação e hoje aposentado. "Eu me limitei a fazer o meu trabalho." Em 1987, Moraes e Kelly foram denunciados à Justiça por lenocínio, favorecimento à prostituição e receptação. Ele viu-se expulso de seu partido, o PMDB, e quase foi cassado pela Câmara de Vereadores. A sentença judicial veio três anos depois: absolvido das acusações de receptação e lenocínio, Moraes foi condenado a três anos e seis meses de prisão por favorecer a prostituição. Kelly recebeu a mesma pena do companheiro. Uma infinidade de recursos e dez anos depois, surgiu a sentença definitiva. A condenação por favorecimento à prostituição foi anulada em 1997 por insuficiência de provas. As testemunhas, curiosamente, mudaram seus depoimentos. Sobre as denúncias de lenocínio e receptação, o Tribunal não se manifestou. Os juízes alegaram que os crimes estavam prescritos. Do ponto de vista jurídico, portanto, o deputado Sérgio Moraes é um homem inocente. "Era tudo uma armação para me prejudicar", afirma ele, que preferiu não processar os supostos autores da conspiração.
Beto Barata/AE |
Paulinho, que enfrenta processo de cassação no Conselho de Ética: aposta em Moraes para manter mandato |
O novo presidente do Conselho de Ética da Câmara tem fama de obstinado – e truculento (veja entrevista). Um de seus argumentos mais conhecidos em Santa Cruz é o direto de direita. Que o diga o vereador Irton Marx. Em 2004, o vereador trabalhava num jornal da cidade e publicou uma nota infeliz sobre a morte do pai do prefeito, vítima de um câncer. De óculos escuros, andando de um lado para outro, Moraes esperou Marx estender a mão para cumprimentá-lo. Em seguida, desferiu o soco. O golpe atingiu o olho e a orelha direitos de Marx. "Como ele usava um anel, minha pele rasgou e sangrou muito", lembra. "Se eu não tivesse desviado para o lado, quebrava o meu nariz." Em entrevista a VEJA, o deputado Moraes disse que jamais agrediu ninguém. "Nunca briguei na minha vida", afirma. Indagado sobre o soco que deu em Irton Marx, ele recuperou a memória. "Fiz a bobagem de dar um tapa nele. Ele tirou uma foto do túmulo do meu pai e fez uma matéria que era um deboche. Aí não tem homem que agüente", diz Moraes. A "bobagem" rendeu ao deputado um processo por agressão. Há dois anos, ele fez um acordo com a Justiça. Doou 3.500 reais a uma entidade de assistência social e se livrou da condenação. Não foi o único caso de violência envolvendo o parlamentar. Dogival Duarte, secretário do bispo de Santa Cruz do Sul, resolveu organizar um protesto na Câmara de Vereadores. Moraes, que havia votado contra um aumento de verba para a universidade local, recebeu uma sonora vaia, puxada por Duarte. Horas depois, quando chegava em casa, Duarte foi atacado por Moraes. Além do direto de direita, recebeu diversos chutes. "Caí no meio-fio, mas ele continuou batendo. Sofri escoriações em toda a cabeça", lembra Duarte. Moraes foi processado, mas o crime acabou prescrevendo. "Não agredi ninguém. Aquilo foi uma briga. Ele tentou me agredir e levou a pior", diz o presidente do Conselho de Ética.
Sérgio Lima/Folha Imagem |
Moraes cumprimenta Arlindo Chinaglia ao lado de Inocêncio Oliveira, que o acusou de atrasar o caso Paulinho |
Nada disso, como se viu, parece ter abalado a carreira política de Sérgio Moraes e de sua mulher, que largou o ramo empresarial – a boate Strattus foi fechada depois do escândalo – para também se dedicar à política. Kelly foi eleita deputada estadual pelo PTB. Nos últimos tempos, seu marido anda empenhado em elegê-la a próxima prefeita de Santa Cruz do Sul. "Vou te dar o resultado da eleição. Quer saber? A minha mulher bota 20 000 votos de vantagem em cima de quem for o candidato contra ela. Escolha o lugar em que tu quer entrar comigo. Eu entro e sou aplaudido", garante. Mesmo com uma biografia tão complexa – sem condenações, é verdade, mas complicada demais para quem preside uma espécie de tribunal de vigilância ética –, Moraes não demonstra nenhum constrangimento em ocupar o cargo com um passado recheado de tantas histórias desabonadoras: "Eu tenho ética de mais", diz ele.
Na quinta-feira passada, VEJA fez duas entrevistas com o presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Sérgio Moraes. A primeira, por telefone, foi realizada enquanto ele aguardava, no aeroporto de Brasília, a saída de um vôo para o Rio Grande do Sul, onde reside. A segunda entrevista foi realizada pessoalmente no aeroporto de Porto Alegre, onde Moraes desembarcou por volta das 15 horas do mesmo dia. Tenso, o deputado disse palavrões e insinuou que VEJA estaria a serviço da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) para cassar o mandato do deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. Ele também fez ameaças veladas e explícitas, inclusive de agressão. Eis os principais trechos das entrevistas. Deputado, estamos fazendo um perfil do senhor e... Eu já sei. Já fui informado de tudo. Vocês querem me f... Foram vasculhar a minha vida na minha cidade. Eu sei tudo o que acontece lá. Vocês querem me destruir, eu sei. A Fiesp deve estar com muita raiva do Paulinho (deputado Paulo Pereira da Silva, que responde a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética presidido por Moraes). Estou fazendo uma reportagem... Reportagem de m... Reportagem coisa nenhuma. Vocês gostam de sangue. A VEJA está a serviço da Fiesp, que é contra o Paulinho. Querem acabar comigo para atingir o Paulinho. Foram remexer em coisas que aconteceram vinte anos atrás... Qual era o seu envolvimento com prostituição e receptação de jóias roubadas em Santa Cruz? Só vou dar entrevista se vocês publicarem tudo o que eu disser. Porque eu vou falar e só vão publicar o que vocês quiserem. Vocês não podem me questionar sobre isso. Quem é tu pra me questionar? Vou processar a revista, vou ganhar e vocês vão ter que publicar tudo o que eu disser. O senhor era dono de uma casa de prostituição? Era um bar. Tinha comida à venda. Toda a cidade ia lá. Prefeito, vereador, empresários. Mas a sua boate era freqüentada por garotas de programa, inclusive menores de idade. Eu não podia impedir ninguém de entrar lá. Tu queria que eu ficasse na porta pedindo a carteira de identidade de todo mundo que ia lá? Não tinha sexo. O que faziam depois não era problema meu. Se saíam dali e iam para o motel, o que eu poderia fazer? A polícia obteve provas de que o senhor alugou uma casa no nome de sua mulher na qual garotas de programa, inclusive menores de idade, ficavam hospedadas. Eram as mesmas garotas que freqüentavam a sua boate. Isso é perseguição de uns policiais que eu denunciei quando era vereador. Eles espancaram alguns trabalhadores, foram denunciados por mim e decidiram me perseguir. Me acusaram de um negócio maluco. A prova de que eu era inocente foi o apoio que recebi da minha comunidade. São oito mandatos, entendeu? Eu elejo quem eu quero. Me elejo a hora que eu quero. Tu acha que um cara desonesto engana tanta gente durante esse tempo todo? Mas o senhor foi denunciado pelo Ministério Público e condenado à prisão, em primeira instância, pela Justiça. Cuidado com o que tu fala. A VEJA é bandida. É uma guilhotina. Vocês querem sangue. Mas eu não baixo a cabeça pra ninguém. Posso até ficar chateado com essa matéria por causa dos meus filhos, que são pequenos e não têm nada que ver com o que aconteceu no passado, mas eu não me entrego. Quando eu te encontrar, a gente vai se pegar. Como assim? Eu não fujo de briga, não. O senhor está me ameaçando? Nunca briguei com ninguém na minha vida. No aeroporto de Porto Alegre, depois de concluída a segunda parte da entrevista, gravada pelo deputado, ele desligou o aparelho e levantou-se da cadeira. Com o olhar fixo e o dedo em riste, avisou: "A Justiça que importa é a lá de cima. Quando a gente menos espera a nossa hora chega...Como é o teu nome mesmo?" |
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