Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 01, 2008

Política de resultados – e cumplicidades-Ruy Fabiano



-blog Noblat 1/3

Política, tal como praticada, tornou-se exercício do mais desvairado utilitarismo. Não há bem ou mal: depende do que está em jogo. Ética só vem ao caso se a serviço desse pragmatismo relativista. Nada mais a propósito neste momento. Senão, vejamos.

A oposição viu no escândalo dos cartões corporativos a oportunidade de retomar a dianteira e prensar o governo nas cordas. Desde a reeleição de Lula, não dispunha de um tema forte, sinuoso, capaz de colocar o governo na defensiva.

A discussão em torno do fim da CPMF não exerceu esse papel. Durou pouco e não teve impacto popular. Os cartões, porém, tinham tudo para estabelecer novo strip-tease moral do governo, tão ou mais impactante que o mensalão. Nada melhor em ano eleitoral.

Eis, porém, que os governistas contra-atacaram, argumentando que o tema era uma faca de dois gumes: poderia deixar mal também a administração tucana em São Paulo e a de Fernando Henrique Cardoso, introdutor daqueles cartões na administração pública.

Também ali, diziam eles, há situações gaiatas, de difícil explicação – e, em política, ensinava o falecido senador ACM, especialista na matéria, tudo o que precisa ser explicado já está ruim.

Daí porque se diz que a melhor defesa é o ataque. Alguém acusa e o acusado, em vez de se defender, contra-ataca: "Você também roubou, também fez isso, aquilo etc.". "Também" é a palavra-chave que justifica tudo – e gera cumplicidades.

O recuo oposicionista e a ameaça governista no caso dos cartões corporativos formam desenho único – e cúmplice: "Eu fiz, mas você também fez". Nesse caso, é melhor deixar como está para ver como é que fica - eis a síntese. Do outro lado do balcão, de onde os contribuintes contemplam (e remuneram) cenário, roteiro e atores, há perguntas que, de tão ignoradas, já nem mais são feitas.

Uma delas: se o governo sabe que houve malfeitos na administração anterior, por que não manda investigar e punir? Afinal, cabe-lhe esse poder de iniciativa. Mais: se a oposição considera graves as infrações presentes cometidas, por que recua ante a ameaça de ser também investigada? Quem não deve não teme.

No primeiro caso, a omissão do governo é crime de responsabilidade. No segundo, o recuo oposicionista é confissão de culpa. No gesto de ambos, a marca da cumplicidade, igualmente capitulada como prática delituosa. A platéia, de tão acostumada, não se indigna. Boceja de tédio e anseia por outro momento.

Há dias, o presidente Lula, analisando o comportamento oposicionista, teve súbita nostalgia de si mesmo - e sapecou:

"Quando a gente é oposição é difícil aceitar que um governo dê certo. Fui oposição muito tempo, é uma desgraceira, porque você não pode falar bem do governo, mas também não pode falar mal. Então, tem que ficar futucando, tentar procurar pêlo em ovo. Essa é a verdade, então compreendo todo esse papel da política."

Na evocação presidencial, há matéria-prima para denso tratado moral e sociológico em torno da política contemporânea. O presidente confessa que, nas duas décadas em que fez a mais implacável oposição a todos os governos que se sucederam no país, estava exercendo a "desgraceira" de procurar "pêlo em ovo".

Se isso fazia bem ou mal ao país, era um detalhe. O importante era desacreditar o governo (fosse qual fosse) para derrubá-lo e ocupar-lhe o lugar, tendo ou não projeto para o país.

Dentro disso, o PT se opôs a reformas que, ao chegar ao poder, quis realizar. Condenou práticas que hoje absorveu, e hoje condena práticas que eram as suas no passado. Fez denúncias que sabia de antemão vazias, mas úteis a seus propósitos iconoclastas.

E chegou lá, o que prova a eficácia da estratégia. Em política, não há certo ou errado, diz essa cartilha: há resultados.

Há dias, o governo anunciou, com estardalhaço, que o Brasil deixara de ser devedor e passara a ser credor externo. Seus ativos cambiais eram superiores ao passivo. Deixemos de lado os exageros retóricos, já que o fato de haver recursos para saldar a dívida não significa que assim será feito. Continuamos, portanto, devedores.

Mesmo assim, eis um bom momento para evocar o conceito presidencial a respeito do papel oposicionista. O PT, que celebrou o fato como se de sua autoria e responsabilidade, foi quem mais obstinadamente conspirou contra aquele resultado, fruto de décadas de governos e políticas condenadas por sua militância.

O rótulo de "neoliberal" atribuído ao governo anterior decorria exatamente de concepções de política econômica que resultaram no triunfo do superávit presente. A política monetária foi o único reduto não acessível aos petistas desde a chegada ao poder.

O mérito de Lula – e é necessário reconhecê-lo - foi o de ter preservado a política que, quando na oposição, maldizia. Hoje, saboreia os seus resultados, sem conceder a seus antecessores qualquer mérito no processo. Tornou-se neoliberal desde criancinha, assim como certa vez disse que jamais foi de esquerda.

E eis aí outra vantagem do utilitarismo: permite que se diga e desdiga o que quiser. Não há compromisso com a coerência. Vive-se o "império das circunstâncias". Quanto a isso, governo e oposição se igualam, em sólida cumplicidade.

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