Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 05, 2008

Míriam Leitão - Fronteiras vivas


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
5/3/2008

A Colômbia invadiu o Brasil. Entrou com uma brigada de pára-quedistas na região conhecida como Cabeça do Cachorro. Desceram com avião e helicópteros numa área do Exército Brasileiro e se apossaram das instalações. Isso foi há nove anos. A reação do Brasil foi chamar o embaixador e o ministro e falar duramente com eles. Em 91, as Farc também entraram e mataram militares brasileiros.

Como o Brasil reagiu nos dois casos, mostra bem o estilo de firmeza sem beligerância que o país tem mantido ao administrar sua imensa fronteira. Só na Amazônia, o Brasil tem 11.500km de fronteira com sete países, a maioria da área é de selva.

No fim de 1998, quando a Colômbia invadiu nosso território, o Brasil decidiu não fazer alarde público, mas demonstrar firmeza com quem interessava. No caso, o governo colombiano.

- Chamei o embaixador e falei com o ministro das Relações Exteriores deles. Disse que aquilo era inaceitável, que caíssem fora imediatamente. Eles saíram em poucas horas - conta o então chanceler do Brasil, Luiz Felipe Lampreia.

A invasão do território brasileiro foi montada para, a partir do Brasil, atacar os terroristas das Farc que permaneciam em território colombiano. Mas não foi como agora para atacar as Farc instaladas no Brasil.

Militares brasileiros contam que, em 1991, houve um ataque a um destacamento de fronteira brasileiro, em Querari, por um grupo armado das Farc. Alguns militares foram mortos.

- Foi um episódio conhecido como traíra. Reagimos imediatamente, perseguindo os bandidos e infringindo neles mais baixas que as do nosso lado - conta o general Heleno Pereira, que hoje comanda as operações do Exército na Amazônia.

O general diz que o Brasil não faz "cavalo de batalha" de qualquer episódio; leva a sério apenas os casos sérios:

- Logo que cheguei aqui, tive a informação de que aviões venezuelanos estavam entrando no espaço aéreo brasileiro. Fui verificar no local, em Xitei. Lá perguntei na maloca e para funcionários de uma ONG ligada à Funasa. Eles confirmaram que aviões e helicópteros venezuelanos sobrevoavam o local. Fui ver por quê. É que, em Roraima, tem um bico que entra no território venezuelano. Os militares têm postos de um lado e de outro do bico. Para ir de um lado para o outro, ou dão uma volta enorme ou passam sobre o Brasil. Não tinham intenção de invadir nosso espaço aéreo. Conversamos sobre a autorização para fazer isso e ponto - conta.

Sobre o conflito entre os vizinhos, o general acredita que seria "irresponsabilidade não ficar preocupado", mas diz que o assunto está entregue, no Brasil, à negociação diplomática.

- Não fizemos nenhum movimento diferente com as tropas; estamos confiantes que tudo vai se resolver pela via diplomática - afirmou ele, que ontem participava de uma reunião do Alto Comando do Exército, mas que era, segundo disse, de rotina, para discutir promoção.

Na Amazônia, o Brasil tem 25 mil homens em 23 pelotões especiais de fronteira, duas companhias especiais e três destacamentos.

- Temos sempre duas linhas de ação: estratégica e de dissuasão. É uma área onde há enorme dificuldade de circulação terrestre entre as unidades, as ligações são aéreas ou por rios. Mas do que nos orgulhamos é de ter o melhor combatente de selva do mundo. Nosso pessoal nesta área é sempre local, muitos de origem indígena, que conhecem a região como a palma da mão e que, na selva, estão em casa - comenta.

O general Heleno acha que é impossível que as Farc entrem e se instalem num país sem que o país perceba, mesmo sendo região de selva.

- Apesar de selva, qualquer movimento é percebido. A população é rarefeita; para um grupo ficar na selva, ele tem que ter apoio. Como se abastecer? O apoio tem que vir pelo rio, e isso seria percebido.

O general prefere não comentar mais sobre a preocupação de que o desentendimento entre os vizinhos degenere em conflito. Acredita na solução diplomática.

Outros militares ouvidos admitem que a preocupação é grande, ainda que haja muito ceticismo em relação ao poderio bélico e à capacidade logística da Venezuela.

De fato, a Venezuela hoje não tem demonstrado capacidade de abastecer o país de alimentos; como vai abastecer de suprimentos dez batalhões na fronteira? Hoje, na região de Pacaraima, os venezuelanos com mais dinheiro vêm ao lado brasileiro para as compras normais de mercado: leite, carne, laticínios.

A Venezuela está na estranha situação de ter os piores conflitos com seus dois maiores parceiros comerciais. E relações comerciais que ficam cada vez mais exuberantes. O volume de comércio entre Venezuela e Estados Unidos saiu de US$20 bilhões em 2003 para US$50 bilhões no ano passado. O segundo maior parceiro é a Colômbia e o volume de comércio saiu de US$1,4 bilhão em 2003 para US$6 bilhões em 2007. Com os EUA, o que pesa é a exportação venezuelana de petróleo; com a Colômbia, é diferente. A Colômbia exporta para a Venezuela o triplo do que compra; cerca de 20% são alimentos. Exatamente o que anda em falta na Venezuela.

- Hugo Chávez faz tudo para ficar na mídia. É o que está fazendo agora - afirma um integrante do governo brasileiro.

Realmente. Chávez não tem todo o poder que aparenta, e tem mais a perder do que admite.

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