Final infeliz
As Invasões Bárbaras foi um fenômeno. Mas
Denys Arcand deixa a dever nesta seqüência
Isabela Boscov
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Quanto mais A Era da Inocência (L’Âge des Ténèbres, Canadá, 2007) avança, mais se cristaliza a sensação de que, desta vez, o diretor canadense Denys Arcand perdeu a mão. O personagem central do filme, em cartaz no país desde sexta-feira, é Jean-Marc Leblanc (Marc Labrèche), um funcionário público entediado, sem grandes atributos físicos e intelectuais, ignorado pela mulher viciada em trabalho e pelas duas filhas, que, em 44 anos de existência, falhou em alcançar qualquer coisa a que ele próprio dê algum valor. A crise de Jean-Marc, porém, não é apenas decorrente da meia-idade ou de aspirações frustradas: é uma crise civilizatória. Ou, mais propriamente, advém de existir numa civilização que está devorando a si própria por meio das obsessões materiais e aquisitivas, da incomunicabilidade, do vocabulário politicamente correto com que se obscurecem as divergências reais, do correr para não chegar a lugar nenhum, da dissolução da própria idéia do que constitui uma família. Nesse sentido, ao menos, o filme é o desfecho lógico para a trilogia que Arcand iniciou em 1986, com O Declínio do Império Americano, e à qual dera seqüência, com brilho, em As Invasões Bárbaras, de 2003. (Um aparte necessário: o título brasileiro é uma bobagem atroz. O original significa "A Idade das Trevas", ou a Idade Média, o período que, como se aprende lá pelo 6º ano da escola, se seguiu às invasões bárbaras que puseram fim ao decadente Império Romano.) O que diminui o filme são a sátira primária com que o diretor retrata o atual estado de coisas (os videogames, mais uma vez, aparecem como o símbolo maior do entorpecimento) e o humor constrangedor com que ele encena as fantasias eróticas e de grandeza do pobre Jean-Marc. Arcand, definitivamente, não nasceu para ser comediante.
A cerca de meia hora do final, o protagonista percebe as vacuidades com que vem tentando preencher sua insatisfação. Jean-Marc então dá uma guinada – e o filme o acompanha, adquirindo a atmosfera melancólica e indagativa que fez de As Invasões Bárbaras o maior sucesso da carreira de Arcand. Nesse último ato, A Era da Inocêncianão só se redime, como consegue levar a platéia àquele mesmo ponto, entre a desilusão e a esperança, que é o alvo comum a todo o trabalho do diretor. Mas é um momento ao qual se chega com dificuldade. E, no trajeto até ele, Arcand dá farta munição aos críticos que enxergam, no seu pessimismo, um parentesco pouco lisonjeiro com o reacionarismo.