Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 06, 2008

Entrevista com o presidente do Equador

entrevista exclusiva com o presidente do Equador, Rafael Correa

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ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de repetir várias vezes em público que o Equador "iria até as últimas conseqüências" contra a Colômbia, o presidente equatoriano, Rafael Correa, foi mais incisivo ontem e admitiu em entrevista à Folha que não descarta ir à guerra contra o país vizinho.

"Não excluo a hipótese de guerra", disse Correa na Base Aérea de Brasília, antes de embarcar para Caracas, na Venezuela, num jato 170 da Embraer de propriedade do Equador. "Se o Brasil é que tivesse sido bombardeado, estaríamos falando neste momento em ir à OEA conversar, ou os aviões brasileiros já teriam bombardeado a Colômbia?".

A intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva era pedir que Correa baixasse o tom e facilitasse o diálogo, no encontro que tiveram ontem no Planalto, mas Correa entrou e saiu do Brasil com o mesmo tom beligerante.

Ele negou o pedido de Lula para se encontrar pessoalmente com o presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, ameaçando indiretamente ir às vias de fato com o inimigo: "Eu lhe respondi claramente que não. Não poderia responder por mim mesmo".

Correa também avisou que, se aviões colombianos entrarem no espaço aéreo do seu país, vai abatê-los: "Se houver uma nova incursão aérea colombiana em espaço aéreo equatoriano, derrubaremos essa aeronave." E chamou de "insultante" o apoio dos EUA a Uribe.

*

FOLHA - O presidente Lula fez o apelo pela paz?

CORREA - Não. Lula me perguntou que satisfações exigimos de parte do governo colombiano, eu lhe respondi que queremos três coisas: um pedido de desculpas sem ressalvas, o compromisso de nunca mais repetirem um ataque a outro país e o desmentido de que temos conivência com as Farc. Lula e eu estamos de acordo que essa possibilidade é muito remota, conhecendo um tipo como Uribe, que está muito distante de pedir desculpas. Em vez de pedir desculpas, trata de me caluniar, de me difamar, dizendo que tenho vinculações com as Farc. Isso é uma canalhice.

FOLHA - Se houver o pedido de desculpas nos termos que o sr. exige, qual será o seu passo seguinte?

CORREA - Deixaremos mesmo assim as tropas em alerta. É muito difícil restabelecer relações diplomáticas com um país como aquele. Gostamos muito do povo colombiano, mas que tem um governo como o de Alvaro Uribe. Como posso confiar num tipo assim, que até dias antes estava conversando sobre relações bilaterais e, depois do ataque, nos chama para dizer que foi um enfrentamento do lado colombiano, que foi empurrando para o lado equatoriano numa perseguição quente e acabaram matando 17 guerrilheiros? Era tudo uma grande mentira. Foi um ato planejado, com plena consciência de que estavam entrando no nosso território. E sem legítima defesa, porque não houve enfrentamento, houve um massacre aos guerrilheiros que dormiam. Com um governo que mente assim, que relação posso querer ter?

FOLHA - O que Lula lhe disse?

CORREA - Lula me perguntou se eu aceitaria ter um encontro pessoal com o Uribe, mas eu lhe respondi claramente que não. Não poderia responder por mim mesmo. Não posso tratar com essa classe de pessoa, com gente que ultrajou a minha pátria.

FOLHA - Qual foi o resultado, então, do seu encontro com Lula? Para que serviu o esforço de Lula para serenar os ânimos?

CORREA - Creio que até ratifica o caminho que estamos percorrendo. Espero uma condenação clara da OEA. Isso nos satisfaria. Faria diferença para o meu país e solucionaria o conflito de forma diplomática.

FOLHA - Mesmo com tudo isso, o Equador não reataria relações com a Colômbia?

CORREA - Não teremos mais relações diplomáticas. Vai ser muito difícil que Uribe apresente à Colômbia uma proposta de restabelecer relações, e a mim também não interessa, porque temos de lembrar que ele é um mentiroso e admitiu que mentiu.

FOLHA - E se não acontecer nada disso, nem o pedido de desculpas que o sr. considere suficiente?

CORREA - Eu vou repetir o que venho dizendo: vamos chegar às últimas conseqüências. Nós não vamos deixar que isso seja esquecido na América Latina.

FOLHA - O que o sr. está dizendo é que pode chegar à guerra?

CORREA - Somos um país de paz, mas saberemos defender a nossa soberania, se a América Latina não respaldar a verdade e a justiça, que é o que está em jogo neste momento.

FOLHA - Ou seja: o sr. admite hipótese de guerra.

CORREA - Não excluo a hipótese de guerra. A guerra é um ato bélico que já começou. Eu insisto: bombardearam minha pátria. O que estaríamos vendo agora se em primeiro de março o Brasil tivesse sido bombardeado com o pretexto de que havia um acampamento guerrilheiro em terras brasileiras? Estaríamos falando neste momento em ir à OEA conversar, ou os aviões brasileiros já teriam bombardeado a Colômbia?

FOLHA - Qual a capacidade bélica do Equador?

CORREA - Não vou falar sobre isso.

FOLHA - Há a possibilidade de uma aliança militar com a Venezuela e com a Bolívia, por exemplo?

CORREA - Não necessariamente. Nós temos capacidade defensiva, sabemos nos defender. Se houver uma nova incursão aérea colombiana em espaço aéreo equatoriano, derrubaremos essa aeronave. Se houver incursões do exército colombiano em nosso território, serão capturados. Se a Colômbia lançar agrotóxico por via aérea para combater o cultivo de coca e cair do nosso lado, vamos considerar uma agressão, um ato de guerra, e derrubaremos esse avião.

FOLHA - O Brasil tem condições de ser um bom mediador do conflito?

CORREA - Não necessariamente. Creio que tem boas intenções, mas há um conjunto de países. Insisto que não é um problema bilateral, mas regional. Todos os países devem estar preocupados, inclusive o povo colombiano. O que Uribe quer agora? O que dirá ao povo colombiano? Que pode bombardear qualquer país com pretexto de guerrilheiros? Fica muito parecido com o Oriente Médio, lembra? É preciso cortar o mal pela raiz.

FOLHA - E as Farc, como ficam?

CORREA - Podemos argumentar que há conflito na Colômbia e que as Farc são um perigo para toda a região, para bombardear a Colômbia. Então, esse não é um problema emergente do Brasil, é de participação ativa de toda a América Latina. O governo colombiano é um perigo para a estabilidade de toda a região.

FOLHA - Qual a relação entre o ataque da Colômbia no Equador e a invasão dos EUA no Iraque?

CORREA - É a mesma lógica. Os EUA bombardearam o Iraque sob o argumento de que teria armas de destruição massiva e que havia uma ditadura que protegia terroristas. Algumas coisas são similares com o que o Uribe vem fazendo.

FOLHA - Como o sr. vê o apoio tão explícito dos EUA ao Uribe?

CORREA - Insultante. E não só para nós como para para toda a América Latina.

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