O Estado de S. Paulo |
11/3/2008 |
Já houve época em que eram fundações as destinatárias de dinheiro público que saía do caixa federal e fazia um trajeto suspeito no meio do qual havia sempre um partido ou um político simpático ao governo como beneficiário. Depois, reinaram absolutas as empreiteiras no transportes dessas verbas e, mais recentemente, até o escândalo do mensalão, agências de publicidade prestavam-se ao serviço, reservando uma parte de seus contratos ao atendimento do interesse dos influentes. É possível que todos esses esquemas ainda existam, mas perderam gás e passaram a requerer cuidados à medida que foram sendo expostos por denúncias ou investigações de comissões parlamentares de inquérito. Agora, os convênios para repasses de verbas a prefeituras e entidades não-governamentais andam a merecer a atenção de um pente-fino, tal a quantidade de casos que começaram a aparecer, indicando que pode existir aí um enorme duto de dinheiro em desvio de função. Ou não, mas conviria desconfiar. Quem levantou a lebre foi o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, por causa dos convênios assinados por sua pasta favorecendo gente ligada ao PDT, o partido que agora preside por intermédio de interposta pessoa. Digamos assim para evitar o termo “laranja”. No caso mais vistoso, Lupi liberou dinheiro para prefeitura de sua base eleitoral (São Gonçalo, RJ) assim que a prefeita mudou para o PDT. Não é o único a beneficiar correligionários, como de resto, justiça se faça, já vinha alegando em sua defesa. A sustentar seu argumento, logo em seguida veio a público o uso dos mesmos métodos no Ministério dos Esportes em favor do PC do B, partido do titular. Ontem, o Estado e a Folha publicaram reportagens diferentes relatando o mesmo fato: a ligação da filiação partidária à liberação de verbas mediante convênios. O Estadão mostra que prefeitos conseguiram muito mais facilmente liberar recursos antigos empacados ou assinar novos contratos depois que mudaram de partido. Em três tipos de movimento: ou transitaram de legendas oposicionistas para governistas ou de partidos mais fracos para mais fortes (por exemplo, do PTB para o PMDB) dentro da coalizão ou estavam na base aliada e mudaram para a agremiação diretamente ligada ao ministro da área. A época é ideal para fazer a troca, pois o partido que perde o prefeito agora, mesmo sendo de oposição, não vai cobrar fidelidade na Justiça porque os mandatos terminam em dezembro. Com recursos, idas e vindas, não daria tempo de reaver a vaga e seria gastar dinheiro à toa com advogados. A Folha relata que os dois ministros da Pesca, Altemir Gregolin e o antecessor, José Fritsch, autorizaram repasses de dinheiro para entidades e prefeituras do PT de Santa Catarina, reduto de ambos. Nos dois casos, as verbas chegaram de uma vez só - embora os contratos previssem prestação de serviços durante meses - e sempre antes de eleições. O problema, é óbvio, não está na assinatura de convênios nem na liberação de verbas, tudo perfeitamente previsto em lei. A questão é que os milhões de reais vão para lá e para cá ao sabor da carência de controles internos na administração pública. Os critérios para entregar dinheiro a esta ou àquela entidade ou prefeitura alegadamente são técnicos. Da mesma forma, oficialmente não obedecem a influências políticas ou partidárias. Só que quando se vê algumas das organizações que recebem ou a natureza dos serviços contratados, justifica-se a desconfiança. Há sempre um deputado ou partido por trás, as sedes ficam em lugares esquisitos (não raro em comitês eleitorais ou na casa de um diretor) e as tarefas a serem executadas são apresentadas sob as mais genéricas rubricas. Em geral, cursos de “capacitação”. Objetivamente, não há como saber se existe obediência aos princípios de imparcialidade e impessoalidade na distribuição da verba, se a ONG não é de fachada, se o projeto era mesmo necessário, se havia interesse público na contratação, se o dinheiro foi aplicado naquilo a que estava destinado. Em resumo, não se sabe se o tal convênio não é apenas uma ferramenta de “lavagem” de desvio de recursos públicos. A Controladoria-Geral da União, assim como no caso dos cartões corporativos, dá publicidade aos volumes de dinheiro, mas não dispõe de um instrumento eficaz de fiscalização sobre o uso dos recursos nem tem como questionar a idoneidade de seus beneficiários. O sistema de sorteio para fiscalizar prefeituras por amostragem é bem-intencionado, permite algum controle, serve para dar alguma satisfação em relatórios de desempenho. Mas é insuficiente e absolutamente desproporcional em relação à infinidade de municípios, de entidades de origem incerta e, sobretudo, de interesses envolvidos nesse sistema em que os partidos fazem qualquer negócio em troca de uma trincheira cuja ocupação lhes permita manipular em proveito próprio um pedaço da máquina do Estado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, março 11, 2008
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