Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 06, 2008

Bolsa ilusão


EDITORIAL
O Globo
6/3/2008

Há uma cena no curta-metragem \"Entreatos\" - o registro dos bastidores da campanha eleitoral do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, do cineasta João Moreira Salles - em que o futuro presidente, numa conversa sobre estatísticas com Gilberto Carvalho, que continuaria seu assessor próximo no Planalto, compartilha uma suspeita: \"Quantas pessoas passam fome neste país, Gilberto? Eu acho o número de 53 milhões tão absurdo!\"

Ao chegar ao poder, porém, Lula deixou de lado as dúvidas e montou um programa assistencialista, o Bolsa Família, que atende 44 milhões de brasileiros, ao custo de quase R$11 bilhões apenas este ano. E ele tinha razão em desconfiar daquele dado. O Brasil certamente não seria como é hoje se existissem 53 milhões de famélicos, uma tragédia de enorme poder de desestabilização do próprio sistema político.

A mais recente prova de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva estava certo consta do artigo de Ali Kamel publicado terça-feira no GLOBO. Ao consultar a página do Ministério do Desenvolvimento Social na internet, o articulista encontrou estudos acadêmicos sobre como o Bolsa Família tem equipado a residência de beneficiários com variados eletrodomésticos.

Fica evidente, pela lógica, que boa parte do dinheiro do Bolsa Família não está mesmo sendo usada para acabar com a fome de miseráveis. Pela simples razão de que eles são bem menos que os 44 milhões assistidos pelo programa, como já ficou evidente em algumas pesquisas. Uma delas, a de Orçamento Familiar (POF), uma extensa investigação de campo do IBGE. As pessoas foram pesadas, medidas, e o IBGE não encontrou a fome alardeada.

Se o objetivo central do Bolsa Família fosse de fato erradicar a fome, ele custaria bem menos ao contribuinte, e o governo contaria com recursos para fazer a revolução que o país necessita com urgência na educação básica. A única capaz de acabar com a miséria de forma definitiva, por ela acontecer por meio da ascensão social do próprio cidadão, sem que ele se torne prisioneiro de esmolas do Estado e dependente de currais de votos. Infelizmente, por ter provado o sabor do retorno eleitoral do Bolsa Família, não será este governo que contestará estatísticas fantasiosas sobre a situação social do Brasil.

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