Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 01, 2007

Valerioduto rastreado

Virou lugar comum, que sempre é bom ter em conta, até para não tornar injusto o tom da cobrança, dizer que a falta de rastros, deixados pela corrupção, era a causa primordial da impunidade. Ladrões não deixam recibo - eis aí a explicação para toda a sorte de investigações, inquéritos, sindicâncias, apurações de responsabilidades e tudo o mais que se faça em termos de providências para dar cobro ao desvio (ou roubo) de dinheiro público, e que acaba não resultando em coisa alguma. A grande indagação que surge, então, quando os rastros da corrupção se tornam absolutamente claros - coisa rara em nosso meio político, é bom que se diga - é simplesmente esta: e agora? Haverá punição?

Depois de longo e minucioso trabalho, a Polícia Federal, por meio de laudo do Instituto Nacional de Criminalística, confirmou plenamente as conclusões da CPI dos Correios, segundo as quais o esquema do valerioduto (tendo por principal operador o publicitário-empresário Marcos Valério de Souza), o grande abastecedor do famigerado mensalão (sistema de cooptação corrupta de parlamentares), era nutrido por dinheiro público, originado do Banco do Brasil (BB). A DNA Propaganda, agência de Valério, apropriou-se indevidamente de pelo menos R$ 39,5 milhões de recursos do BB no Fundo Visanet. Foi esse dinheiro que lastreou os empréstimos que alimentaram o caixa 2 do Partido dos Trabalhadores.

De forma até inédita, considerando-se a histórica imprecisão das apurações de corrupção do País, a Polícia Federal seguiu passo a passo o caminho dos recursos desviados do banco oficial para a conta da agência de propaganda até serem sacados, na boca do caixa, pelo empresário titular do valerioduto, chegando a números de contas, valores precisos, datas e locais dos saques. Esses recursos “apropriados indevidamente”, como a eles se refere o laudo, foram repassados para a DNA entre 2001 e 2005, sendo a maior concentração dos repasses em 2003 e 2004 - justamente o período em que se tornaram mais volumosas as operações do mensalão.

Eis, como exemplo, um tópico do documento pericial: “Em 3/7/2003 ocorreu saque na agência Brasília, do Banco Rural, no valor de R$ 100.000,00. Os recursos foram sacados por Francisco Marcos Castilho Santos (presidente da DNA), originários da conta 602000 - 3, no Banco do Brasil, onde encontravam-se depositados os recursos da Visanet.” Há referência a vários outros saques na mesma agência - local em que, como a CPI já apontara, eram feitas preferencialmente as transações numerárias com congressistas, como o realizado por Valério no dia 19 de agosto de 2003, no valor de R$ 150 mil.

Não caberia aqui reproduzir o excesso de pormenores dessas transações escabrosas, destinadas à compra de consciência de parlamentares para a obtenção de apoios, pois os volumes de dinheiro, o número de envolvidos e a sistemática operacional desenvolvida por Valério e Delúbio Soares - então tesoureiro do PT - compõem róis de informações já devidamente dissecadas, até pelo Procurador-Geral da República, quando apontou a “sofisticada organização criminosa” que sentara praça no Poder Legislativo nacional. Importa mais, agora, voltar àquela pergunta inicial deste comentário: e agora? Conhecimento já se tem da tremenda pizza em que tudo virou, especialmente porque muitos dos parlamentares implicados retornaram ao Congresso - após a fuga estratégica, para evitar a cassação e suspensão de direitos políticos - assim como outros foram absolvidos em plenário por votação (secreta, é bom lembrar), mesmo que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados tivesse recomendado a cassação de seus mandatos.

E agora? - repitamos. Não se pode falar em clima ou interesse eleitoral - é muito cedo para isso - das oposições, em reavivar os escândalos que marcaram a última parte do primeiro mandato do presidente Lula. Também não se pode falar que as urnas tiveram o poder de anistiar todas as bandalheiras praticadas no nobre recinto do parlamento federal brasileiro. É preciso que se dê alguma conseqüência ao trabalho da Polícia Federal, para que esta seja devidamente valorizada - e a conseqüência óbvia que se espera é a punição dos responsáveis por essa vergonha que a sociedade brasileira ainda precisa de muito tempo para superar.

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