Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 28, 2007

FERNANDO GABEIRA Um bagre no colo


O PRESIDENTE Lula reclamou que havia um bagre no seu colo. Era uma forma de criticar o relatório de impacto ambiental das usinas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. O relatório, na verdade, é complexo -tem 256 páginas e trata de vários temas. O bagre desempenha agora o papel que o veadinho representava na década de 80. "Os ecologistas estão preocupados com o veadinho", diziam os adversários.
Era a frivolidade contra o necessário crescimento econômico.
Do fim do século passado para cá, muita água correu no enlameado Madeira, uma espécie de túmulo dos mergulhadores que buscavam ouro no seu leito.
Nesta semana, a abelha vingou o bagre e o veadinho. Europeus e norte-americanos estão preocupados com o desaparecimento de suas abelhas e com as conseqüências para plantas e flores. A TV espanhola mostrou como um laboratório com dezenas de abelhas mortas na bancada disseca seus minúsculos aparelhos digestivos para tentar entender a mortandade.
Abelhas não são bagres nem veadinhos. Mas o foco científico revela hoje como, diante de um planeta informado, a velha concepção do crescimento precisa mudar.
O governo importou um grande especialista internacional em sedimentos para questionar o relatório sobre as usinas do Madeira. Fez bem. Mas deveria ter o mesmo empenho na defesa e no ataque.
Dificilmente traríamos especialistas internacionais para legitimar uma proibição. A idéia de gastar dinheiro só se justifica se for para impulsionar o crescimento. Acontece que o Brasil é muito rico em biodiversidade. Deveria investir pesado não apenas na liberação de projetos mas no processo mesmo de licenciamento. E dizer com clareza, e relativa rapidez, o que pode e o que não pode ser feito.
O país vai ter que se acostumar com os novos tempos. Não adianta fazer figura internacional com biocombustível sem apreender o processo no conjunto. Outros seres estranhos podem saltar no colo do presidente.
Essa história de que o respeito ambiental vai deter o crescimento, quebrar as empresas, é um argumento velho. Diziam isso na Abolição da Escravatura, e o país sobreviveu, muito mais forte.
O bagre no colo é apenas uma homenagem do governo ao aniversário de "Cem Anos de Solidão". Como a frase da ministra que detonou a integração racial, ou a conclusão do que se considerou escolhido, porque não era nem corno nem tinha paixão por homem.
Ainda bem que teremos agora, com a força dos evangélicos, um novo ministro para planejar a Macondo do futuro. Sua primeira frase deverá ser: esqueçam o que escrevi.


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