Desde a volta do país à democracia, nunca
o governo teve uma oposição tão claudicante
Diego Escosteguy
Desde que voltou ao regime democrático, em 1985, o país sempre contou com uma oposição. Em 1991, sob o governo de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois de três décadas de jejum, a oposição tinha o apoio de pelo menos 160 deputados. Quatro anos mais tarde, no primeiro governo de Fernando Henrique, os oposicionistas somavam 140 deputados na Câmara. Mais do que pela quantidade, a bancada de oposição costumava se destacar pelo empenho em votar contra propostas do governo e fustigá-lo com denúncias e CPIs – um papel cumprido com galhardia pela comissão de frente do PT. Neste começo de segundo mandato do presidente Lula, criou-se um cenário inédito em duas décadas de democracia. Com apenas 114 deputados do PSDB e do antigo PFL, a oposição jamais foi tão inexpressiva do ponto de vista numérico e nunca demonstrou tanta inapetência pelo papel de contrapor-se ao governo.
Preocupados com os descaminhos da minoria e com a perda de catorze deputados nos últimos meses, os líderes do PSDB e do antigo PFL fizeram uma bateria de reuniões na semana passada para afinar o discurso – e não chegaram a conclusão nenhuma. Mas a ex-deputada Zulaiê Cobra chegou: "O PSDB virou um tapete para o Lula pisar", desabafou. Uma de suas fundadoras, ela está entre as mais recentes defecções da legenda. Enquanto isso, a estratégia de cooptação de Lula, que já abocanhou doze dos catorze principais partidos representados no Congresso, segue implacável. Depois de arrebanhar para o ministério o ex-oposicionista Geddel Vieira Lima, Lula obteve uma façanha notável na semana passada. Convenceu o filósofo Roberto Mangabeira Unger, aquele que afirmava que o governo petista era "o mais corrupto da história", a comandar a recém-criada Secretaria de Ações de Longo Prazo – ou o "Ministério do Futuro", como já foi apelidada a pasta em Brasília.
Ed Ferreira/AE |
Reunião de líderes do antigo PFL e do PSDB: a tentativa para afinar o discurso não chega a conclusão nenhuma |
Por que, mesmo tendo obtido 37 milhões de votos na última eleição presidencial, a oposição está tão debilitada? Entre as explicações mais corriqueiras está o fato de que não existe um candidato natural à sucessão de Lula em 2010 em torno do qual a oposição possa se aglutinar. Além disso, na política brasileira, o governo federal sempre exerceu uma atração irresistível para partidos políticos tão desprovidos de ideologia. Por fim, os líderes do PSDB adotaram deliberadamente uma tática de evitar o embate cotidiano com o governo, uma cautela compartilhada pelos dois tucanos de plumagem mais vistosa: os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas. Os dois trabalham para fazer de sua gestão um trampolim para o Palácio do Planalto, razão pela qual é prudente manter relações amistosas com o governo federal, e não querem se transformar precocemente numa expressão contra o lulismo, cuja força é notória mas cujo destino ainda é uma incógnita.
Por baixo dessa primeira camada de fatos políticos, subsistem razões mais densas para a apatia da oposição – como a própria consolidação democrática. Nesse processo, o eleitorado já testou o velho PMDB, a surpresa PRN e escolheu para dois mandatos o PSDB e o PT. Com isso, fecha-se um ciclo de novidades. Além disso, o próprio eleitorado adquiriu um novo perfil, menos ingênuo diante das mágicas do marketing e mais interessado em soluções reais para os problemas cotidianos. "O Brasil está encerrando um ciclo", diz o deputado Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná. "O problema é que a oposição não consegue elaborar um discurso que responda às expectativas desse novo eleitorado." É um problema mesmo, pois o equilíbrio do jogo democrático depende da existência de uma oposição crítica e vigilante ao governo. Eis a advertência do cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: "Sem oposição, o Brasil corre o risco da tentação autoritária, como acontece na Venezuela. Trata-se de um perigo para a democracia."