PARIS - O melhor retrato do estado de espírito que predomina na França na véspera da eleição presidencial pode ser visto no Théâtre Le Temple: o "one-man-show" Gady diverte-se com a peça "Hier ça ira mieux" (ou ontem será melhor, em tradução adaptada).
E eu pensava que só os argentinos cultivavam esse sentimento profundo de que "todo tiempo pasado fue mejor", como costumam dizer. Ou jurar, sobre Carlos Gardel, que "cada dia canta mejor", embora Gardel tenha morrido há 72 anos.
A melancolia dos argentinos, eu até entendo. No entre-guerras, a Argentina figurava entre os sete países mais ricos do mundo. Hoje, perde até do Brasil.
Já os franceses não deveriam ter do que se queixar. Continuam sendo a quarta maior economia do mundo, apesar de anos e anos de os profetas do pensamento único cantarem a pedra de que a França está esclerosada porque se recusa a fazer as tais reformas ditas neoliberais. Melhor ainda: é, dos grandes países europeus, o menos desigual, se usado o critério de comparar a renda dos 10% mais pobres com a dos 10% mais ricos.
Tudo bem que o império se foi, que a voz da França, outrora poderosa, agora encontre dificuldades para sobressair até entre seus pares da Europa unificada. Ainda assim, é, no mínimo, má-fé falar em decadência de um país quando se abre a página de entrada do TGV (o trem de grande velocidade, quase tão sinônimo de França quanto a baguette) e se é informado de que, pela quarta vez, o trem bateu o recorde de velocidade ao atingir 574,8 km/ h. É recorde em área de alta tecnologia, não da velha economia.
Bom, se os franceses têm direito à nostalgia, porque não têm a palavra saudades, a classe média brasileira, espremida nesses últimos anos, está então inteiramente justificada, embora eu não esteja tão seguro de que, cá como aí, "todo tiempo pasado" tenha sido melhor.
Entrevista:O Estado inteligente
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