Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 01, 2007

CPI do Apagão

Mais do que no poder das maiorias, a essência da Democracia está no respeito às minorias. Foi isso o que reiterou,com a maior oportunidade - pois às vezes noções primordiais como essa são esquecidas em nosso meio político - o Supremo Tribunal Federal, ao conceder liminar no pedido da oposição para criar a CPI do Apagão Aéreo - arquivada na semana passada pelo plenário da Câmara dos Deputados. O ministro que tomou essa decisão, Celso de Mello, é dos mais técnicos e competentes juristas do Supremo, o que, acrescido ao fato de haver jurisprudência em apoio a sua interpretação - caso da CPI dos Bingos, de 2005 - leva a crer que o plenário da Corte deva confirmá-la, com isso dando condição para que a CPI efetivamente se instale.

Além da referência ao direito de as minorias parlamentares investigarem - pelo que a iniciativa do plenário da Câmara de impedir a instalação da CPI estaria eivada de inconstitucionalidade -, o ministro Celso de Mello argumentou, sobre a crise no sistema de controle de vôos, que “não pode ser subtraído o conhecimento da verdade e o pleno esclarecimento dos fatos que tanto prejudicam os superiores interesses da coletividade”. Contestando o argumento - no fundo primário - dos governistas, quanto à ausência de “fato determinado” que justificasse a CPI, o ministro deixou claro: “Na realidade, o requerimento da minoria parlamentar contém referência a fato determinado (a morte trágica de 154 pessoas) cuja menção, por si só, já bastaria para viabilizar a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito” - aí se referindo à queda do Boeing da Gol.

Em sua decisão o ministro enfatiza e sintetiza, de maneira irrespondível, os motivos pelos quais os brasileiros merecem amplos esclarecimentos, não só sobre a dolorosa tragédia mas sobre os transtornos que têm sofrido, nos últimos seis meses, com o apagão aéreo. Escreveu ele: “Nada mais ultrajante, para o sentimento de decência nacional, do que os eventos que compõem a sucessão de graves incidentes que culminaram no terrível acidente aéreo de 29/9/2006, envolvendo 154 vítimas, e que representou o mais dramático episódio de toda essa cadeia de lamentáveis ocorrências que afetaram - e continuam afetando -- o sistema de tráfego aéreo em nosso país, gerando transtornos, provocando intranqüilidade, reduzindo a confiabilidade na segurança do transporte aéreo, comprometendo a integridade do próprio sistema de controle de tráfego aéreo administrado pela União Federal e lesando, profundamente, os direitos básicos, decorrentes de relações de consumo, titularizados pelo usuário desses mesmos serviços.”

Em outras palavras, o que não falta são “fatos determinados” para uma CPI apurar. Nenhum governo gosta de CPIs - que se sabe como começam, mas não como acabam - mas poucas vezes, como agora, tivemos a necessidade de uma apuração de tamanha dimensão, por envolver, da maneira mais intensa, a vida cotidiana das pessoas, transformando em verdadeiro inferno a circunstância de viajar de avião, em qualquer parte do território nacional. O próprio governo deveria aceitar ajuda para a investigação de fatores que ele próprio não controla ou sequer conhece. No entanto, afora o repúdio à montagem de um palanque oposicionista - o que sempre ocorre com as CPIs - dá para perceber a ojeriza do governo à investigação parlamentar, como se houvesse uma “caixa preta” de potencial extremamente explosivo, nessa área.

Pois o certo é que uma CPI não deverá investigar apenas as complicadas deficiências - pessoais e materiais - dos controladores de vôo, dos sistemas de comando, de detecção do trafego aéreo e demais aspectos técnicos desse serviço público essencial. Há que se investigar também os contratos celebrados pela Infraero, a forma como os recursos públicos foram utilizados nas reformas e ampliações de aeroportos e tudo o mais que diga respeito à ação do Estado na organização e movimentação do espaço aéreo nacional. Pelas notícias até agora veiculadas, a politização da Infraero resultou em práticas escandalosamente nocivas ao País. Será isso o que o governo não quer que se investigue?

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