Paulo Renato Souza
O governo acaba de enviar ao Congresso Nacional o projeto de lei que cria o piso nacional salarial para os profissionais do magistério público da educação básica. Trata-se de iniciativa meritória e que atende a uma antiga reivindicação dos professores. A proposta fixa o piso em R$ 850, que, diga-se de passagem, não agrada às entidades de representação sindical. Entretanto, esse valor se constituirá em expressiva melhoria salarial para a maioria dos professores, especialmente os que atuam nas regiões mais carentes de nosso país. Em contrapartida, significará um aumento muito importante no gasto público com educação.
Estudos internacionais, bem como alguns recentemente realizados para o nosso país, mostram claramente que o valor do salário do professor isoladamente não tem nenhum impacto na aprendizagem dos alunos. Corremos, portanto, o risco de ampliar significativamente o gasto com educação e aumentar a remuneração dos professores, sem conseguir fazer com que isso melhore a qualidade de nossa educação básica. Na minha visão, o País deve aproveitar essa oportunidade única em sua história para, em contrapartida, promover e exigir melhoria na qualidade desses profissionais.
O projeto do governo nada contém nesse aspecto, limitando-se a tratar da melhoria salarial. Para sanar tão importante lacuna, ofereci emenda ao projeto, determinando a criação de um Exame Nacional de Conhecimentos para os Professores. A aprovação nesse exame seria uma condição para que o professor de qualquer das instâncias federativas passasse a obter os benefícios do novo piso salarial. Essa prova seria oferecida anualmente pelo Ministério da Educação e seria realizada pelos professores em caráter voluntário, como opção para ser enquadrado nas carreiras que contemplem o pagamento do piso nacionalmente definido. O exame seria específico para cada área das licenciaturas e para os diversos níveis da educação básica e deveria avaliar os conhecimentos pedagógicos e de conteúdo dos profissionais do magistério público nas respectivas áreas temáticas.
A sociedade brasileira está impactada pela recente divulgação de resultados de processos avaliativos de alunos, que mostram resultados desastrosos em relação aos níveis de aprendizagem que são considerados adequados para as diversas séries da educação básica. Um dos problemas mais freqüentemente apontado em todos os diagnósticos sobre as causas de tão deplorável situação é justamente a qualidade da formação dos professores. Muitos deles carecem até mesmo dos conhecimentos básicos nas disciplinas em que atuam, por causa da qualidade de muitas escolas de formação de professores e também da orientação que muitas seguem de privilegiar os aspectos meramente pedagógicos, em detrimento do ensino do conteúdo das respectivas disciplinas em que o professor irá atuar. Por outro lado, os programas de aperfeiçoamento de professores tampouco se preocupam com os conteúdos das disciplinas.
Na verdade, esse diagnóstico é conhecido, mas o Ministério da Educação tem dificuldade para impor critérios nacionais para os cursos de formação de professores, que ocorrem em milhares de faculdades públicas e privadas e que apresentam enorme heterogeneidade em sua qualidade. A emenda que ofereci se constitui em um atalho para equacionar esse importante problema. Há pelo menos cinco benefícios que se derivarão desta proposta. Em primeiro lugar, o Ministério da Educação, por meio dos exames que forem anualmente realizados nas várias áreas das licenciaturas, fixará parâmetros nacionais de qualidade que passarão a ser adotados e seguidos por todas as escolas de formação de professores do País. Em segundo lugar, garante que o estabelecimento do piso nacional de salários não se constituirá apenas num aumento do gasto público em educação, mas terá uma contrapartida real e imediata na melhoria da qualidade dos professores, o que trará resultados nos índices de aprendizagem dos alunos de nossas escolas públicas. Em terceiro, a vinculação do piso nacional de salários a padrões nacionais de qualificação de nossos profissionais do magistério haverá de constituir-se em notável estímulo para que todos eles busquem aperfeiçoamento e atualização de conhecimentos. Em quarto lugar, a partir do próprio enunciado dos exames do Ministério, a sociedade brasileira conhecerá claramente o que se exige de nossos professores da educação básica. Finalmente, se estabelecerá o equilíbrio entre benefícios, responsabilidades e resultados educacionais para nossas crianças e jovens, associados à consecução dessa antiga e justa aspiração de nossos professores. Em outras palavras, aumentará a eficácia do gasto público com educação em nosso país.
Há outra lacuna importante no referido projeto de lei. Na verdade, tal como formulado, ele é flagrantemente inconstitucional, pois a União não pode fixar obrigações para os Estados e os municípios sem assegurar a suficiência de recursos para honrá-las. Para sanar essa dificuldade, apresentei outra emenda pela qual a União se obriga a complementar os recursos dos demais entes federativos, nos casos em que as despesas com a instituição do piso salarial nacional dos professores não possam ser cobertas a partir dos seus recursos próprios constitucionalmente vinculados à educação.
Paulo Renato Souza, deputado federal por São Paulo, foi ministro da Educação no governo FHC, reitor da Unicamp e secretário de Educação no governo Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br