Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 28, 2007

A complicada situação do juiz Medina

A suspeita ronda o ministro

A polícia colhe indícios de que envolvimento
do ministro Paulo Medina com venda de
sentenças pode ser maior do que se pensava


Alexandre Oltramari e Ricardo Britto

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Perguntas e Respostas: Operações da PF

Está cada vez mais complicada a situação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Medina, a mais alta autoridade do Judiciário denunciada sob a acusação de vender sentenças à máfia dos bingos. Afastado de suas funções com base numa licença médica, Medina passou a semana recluso em seu apartamento funcional, em Brasília. Na quinta-feira, depois de se sentir mal, o ministro precisou ser hospitalizado por causa de diabetes, doença que o acomete já há alguns anos. Seu irmão, o advogado Virgílio Medina, continuava preso sob a acusação de vender sentenças judiciais do ministro. Seus colegas nas duas mais altas cortes do país, o STF e o STJ, defenderam publicamente seu afastamento, além do de outros cinco desembargadores e dois juízes federais, do Rio de Janeiro e de São Paulo, todos igualmente investigados sob a suspeita de vender decisões à máfia da jogatina ilegal. A situação do ministro do STJ só não é mais dramática porque o Supremo Tribunal Federal negou o pedido da Procuradoria-Geral da República para colocá-lo na cadeia. Medina, salvo alguma reviravolta processual, vai responder em liberdade às acusações de formação de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação. Mas a Operação Hurricane (furacão, em inglês), que prendeu 25 pessoas duas semanas atrás, não pára de produzir desdobramentos comprometedores para Medina.

Já se sabia que Virgílio Medina é acusado de negociar três decisões do irmão-ministro – uma das quais, segundo a polícia, foi efetivamente vendida por 600 000 reais. Também se sabia que, em suas viagens rotineiras a Brasília, Virgílio costumava se hospedar no apartamento do irmão e despachar num escritório de advocacia, o Gueiros, Pitta Lima & Ferreira. Apenas em novembro do ano passado, o ministro Medina proferiu duas decisões favoráveis aos pleitos do escritório usado por seu irmão. Agora, revirando as duas toneladas de material apreendido na operação, a PF encontrou evidências de que Virgílio Medina era sócio oculto do escritório onde despachava. Os indícios estão sendo mantidos em sigilo, mas um investigador envolvido na operação disse a VEJA que documentos apreendidos no escritório mostram uma recente divisão de dinheiro. De um total de 3 milhões de reais, o escritório Gueiros, Pitta Lima & Ferreira ficou com 2 milhões, destinando 1 milhão para o irmão do ministro. É uma partilha de honorários? Distribuição de lucros? "Desconheço isso", diz o advogado Eduardo Toledo, que representa o escritório. "Pode haver uma ilação ou interpretação nesse sentido, mas é equivocada."

Reprodução/TV Globo
Contando o dinheiro apreendido: policiais acham mais indícios nas escutas telefônicas

Existem indícios de que o advogado Virgílio Medina não fazia um vôo-solo quando negociava sentenças do irmão-ministro. Nas gravações feitas pela polícia, não há diálogo entre o ministro e os compradores de sentenças nem conversas tratando de propinas com o irmão. Mas, numa delas, de quatro minutos, gravada em outubro passado, o ministro antecipa ao irmão algumas das decisões que pretende tomar no STJ. Seu principal assessor, Fernando Rodrigues, que costumava participar das reuniões entre Virgílio e Paulo Medina, também foi gravado pela polícia. Numa conversa com seu chefe, ele diz que "o pessoal do Virgílio" queria cópia de um voto do ministro proferido no dia anterior. Em outra, dessa vez com um homem interessado na Medida Cautelar nº 12470, sob responsabilidade de outro magistrado, o assessor orienta o interlocutor a buscar Paulo Medina no aeroporto de Brasília. E lhe informa que Medina vai pedir vistas do processo e conversar com os outros ministros da corte. O assessor do ministro tinha até a senha do e-mail do advogado Virgílio Medina. Por quê?

A situação do ministro é tão sombria que até sua defesa, em vez de ajudá-lo, acabou por envolvê-lo em outra nuvem de suspeitas. Seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, é um dos mais caros criminalistas da capital federal, não pega uma causa por menos de 300 000 reais, mas está defendendo Medina de graça. A PF achou a caridade suspeita e, discretamente, passou a investigar a relação entre os dois. Descobriu que, em novembro passado, graças a uma decisão do ministro Medina, Kakay conseguiu libertar Miriam Law, mulher e parceira comercial do chinês Law Kin Chong, preso sob a acusação de ser o maior contrabandista do país. A PF está intrigada com a cronologia do caso. Em 22 de maio do ano passado, Medina foi contra a libertação de Miriam Law. Em 25 de agosto, repetiu seu voto. No dia 21 de setembro, voltou a ficar contra, mas, quando o caso foi submetido à turma do STJ, subitamente mudou de idéia e votou pela libertação de Miriam Law. Kakay festejou a liberdade de sua cliente num jantar com ela no restaurante Fasano, em São Paulo. Bingo? Kakay se explica: "Minha profissão é advogar. Essa ilação é um absurdo completo. Estou trabalhando de graça só porque o ministro Medina não tem como pagar os meus honorários".

Jorge Campos/STJ
Paulo Medina, do STJ: suspeitas de que o irmão era sócio informal de advogados em Brasília

Na semana passada, 21 dos 25 presos na Operação Hurricane começaram a prestar depoimento à Justiça Federal. Eles permanecem presos, por decisão judicial, enquanto respondem ao processo. Já os outros quatro detidos – os desembargadores José Eduardo Carreira Alvim, José Ricardo de Siqueira Regueira e Ernesto da Luz Pinto Dória, além do procurador da República João Sérgio Leal Pereira – vão responder ao processo em liberdade. O processo foi desmembrado porque o procurador e os magistrados têm o privilégio de só ser processados por tribunais superiores. E o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nesse caso, é o de que a turma deve ficar em liberdade, mesmo que o resto do bando, preso sob a mesmíssima acusação, tenha de amargar no xilindró. O desembargador Ernesto da Luz Pinto Dória, um dos libertados, deixou a cadeia em grande estilo. Às 2 horas da madrugada, envergando terno e gravata e um par de óculos no estilo tremendão, Dória se ajoelhou e fez o sinal-da-cruz. No Rio, o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira, o único dos magistrados a reassumir o posto, deu até entrevista coletiva. Disse que é inocente de todas as acusações e ainda se sentiu à vontade para questionar juridicamente o desmembramento do processo – que manteve uns na cadeia e deu liberdade a outros. Regueira considera que os acusados "deveriam estar todos juntos". Livres, naturalmente.

Jefferson Coppola/Folha Imagem
Lula Marques/Folha Imagem
Law Kin Chong, acusado de contrabando, e Almeida Castro, o advogado de Medina: "É um absurdo"

A ofensiva contra os mercadores de sentenças, que revelou a venda de decisões judiciais em altas esferas jurídicas do país, pode acabar iluminando um tema espinhoso: a ação de familiares de juízes nas cortes em que seus parentes têm a caneta à mão. Isso é muito mais comum do que se imagina. Dos 33 ministros do STJ, por exemplo, quinze têm filhos, mulheres, irmãos ou genros advogando junto ao próprio STJ. Eles respondem por 320 ações, que envolvem desde a soltura de acusados de homicídio até disputas comerciais milionárias. A advogada Ívis Glória de Pádua Ribeiro, mulher do ministro Antônio de Pádua Ribeiro, defende os interesses de uma empresa de celulose contra um banco. O advogado Octávio Fischer, filho do ministro Felix Fischer, é o recordista de ações: 48. Ele representa os interesses de municípios, empreiteiras e empresas. O simples fato de um advogado atuar num tribunal onde um parente atua como juiz, naturalmente, não constitui crime algum. Além disso, existe uma norma legal determinando que, quando um magistrado recebe o processo de um parente, ele deve se declarar impedido. Mas o tema é tão controvertido que, desde 2000, tramita no Congresso um projeto de lei para acabar com a advocacia de parentes de juízes em seus tribunais de atuação. Não é um tema fácil. Mas é bom começar a discuti-lo. Até porque nesse ambiente vaporoso pode surgir um novo escândalo envolvendo o Judiciário do país.

Perguntas & Respostas

Abril de 2007
As operações da
Polícia Federal




Revelada no dia 13 de abril de 2007, a operação Hurricane (furacão, em inglês) mostrou à sociedade uma face desconhecida da Justiça brasileira. A ação da Polícia Federal (PF) prendeu bicheiros e advogados acusados de envolvimento em jogos ilegais, mas também juízes e desembargadores suspeitos de vender sentenças aos interessados. Começava, assim, a maior devassa na Justiça do país. Entenda como funcionam as operações especiais da PF.


1. Como são planejadas as operações da PF?
2. Em que momento a PF decide tornar pública uma investigação secreta?
3. Quais foram as principais operações realizadas nos últimos anos?
4. Qual o número de agentes mobilizados nessas ações?
5. As operações sempre resultam em prisões?
6. As operações são corretas do ponto de vista legal?
7. Já houve abusos?
8. As operações sempre têm nomes curiosos. Quem os escolhe?
9. Quais os benefícios das ações da PF para a sociedade?
10. A PF já investigou desvios dentro da própria corporação?

1. Como são planejadas as operações da PF?

O planejamento das operações da PF leva, em geral, meses ou até anos. Exemplo disso é a Hurricane. Ela teve início por acaso, quando uma juíza de Niterói (RJ) autorizou a realização de escutas telefônicas, que acabaram revelando a ponta do iceberg da corrupção na Justiça. Ao menos seis meses antes da cinematográfica deflagração da operação, investigadores já atuavam como verdadeiros arapongas: entre outras ações, eles entraram em segredo no escritório de um dos suspeitos para fotocopiar documentos. Muitas vezes, são utilizados agentes disfarçados, que se infiltram nos grupos criminosos para obter informações e provas. Nessa primeira fase, todos os movimentos são realizados em absoluto sigilo.

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2. Em que momento a PF decide tornar pública uma investigação secreta?

As operações só vêm à tona quando a PF reúne indícios e provas suficientes para iniciar inquéritos e ações na Justiça. Por isso, muitas vezes, a instituição se vê obrigada a permitir que o esquema criminoso continue a funcionar em sigilo, até que os agentes tenham provas substanciais. Só então começa a parte visível da operação, com sirenes e prisões. Esse método permite que, além de pequenos operadores criminosos, sejam capturados os indivíduos graduados do esquema.

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3. Quais foram as principais operações realizadas nos últimos anos?

Houve várias operações, com destaque para:
- Têmis, Hurricane: venda de sentenças judiciais favoráveis aos jogos ilegais
- Sanguessuga: compra superfaturada de ambulâncias com dinheiro público
- Hidra: combate ao contrabando
- Anaconda: venda de sentenças judiciais
- Águia e Planador: tráfico internacional de drogas
- Zaqueu: corrupção nas delegacias do trabalho
- Matusalém e Zumbi: fraudes no INSS
- Lince: extração ilegal de diamantes
- Lince 2: adulteração de combustíveis e roubo de carga
- Farol da Colina: remessa ilegal de dinheiro para o exterior
- Soro: falsificação de leite em pó
- Sucuri e Trânsito livre: facilitação de contrabando
- Pandora: extorsão de empresários
- Vampiro: fraude em licitação de hemoderivados
- Isaías: extração ilegal de madeira

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4. Qual o número de agentes mobilizados nessas ações?

Em geral, dezenas e até centenas de agentes. Só na operação Têmis, por exemplo, cerca de 300 profissionais cumpriram 70 mandatos de busca e apreensão num só dia; no caso da Hurricane, foram 400 agentes. Essa, porém, é só a face visível da atividade da PF: por trás dela, outras dezenas de agentes atuam na áreas de inteligência e investigação.

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5. As operações sempre resultam em prisões?

Nem sempre. Muitas vezes, elas visam apenas obter provas que podem cooperar com as investigações. Isso impede, por exemplo, que os suspeitos se adiantem aos longos inquéritos e destruam provas. De qualquer forma, tanto as prisões quanto a apreensão de provas dependem de autorização da Justiça. Ao ser deflagrada, a operação Têmis não realizou prisões, mas coletou centenas de documentos e discos rígidos de computadores de suspeitos; já a Hurricane prendeu 25 pessoas, além de recolher duas toneladas de documentos, 19 armas, mais de 500 jóias, 51 carros de luxo e milhões em dinheiro vivo.

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6. As operações são corretas do ponto de vista legal?

Legalmente, as ações dos agentes federais têm de ser autorizadas pela Justiça. Isso serve tanto para os mandados de busca e apreensão de provas quanto para as prisões. O mesmo vale para a realização das escutas telefônicas - tão úteis nesses processos. Sendo autorizadas pela Justiça, as operações são legais.

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7. Já houve abusos?

Invariavelmente, os investigados acusam a PF de abuso. No caso da operação Hurricane, por exemplo, os advogados dos envolvidos presos afirmaram que seus clientes não tiveram acesso às acusações e, por isso, se recusaram a prestar depoimento. A todos eles, vale lembrar, cabe o recurso à Justiça para pedir reparo contra eventuais abusos e erros processuais.

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8. As operações sempre têm nomes curiosos. Quem os escolhe?

Os nomes são escolhidos por delegados da PF. As denominações devem fazer alguma referência ao caso estudado e, simultaneamente, manter o assunto em sigilo. A operação Isaías, por exemplo, sobre extração ilegal de madeira, era uma referência ao seguinte texto do profeta bíblico: "Restarão tão poucas árvores em sua floresta, que um menino poderá contá-las." Já Têmis, sobre o envolvimento de membros do Judiciário em crimes, usou o nome da deusa grega da Justiça.

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9. Quais os benefícios das ações da PF para a sociedade?

Os benefícios são evidentes: desbaratar ações criminosas que atrapalham o cotidiano dos brasileiros. Isso fica mais claro quando são revelados e interrompidos esquemas como tráfico de drogas e contrabando, fontes de violência e prejuízo para o país. Também quando são iluminadas as relações espúrias entre ações ilícitas e servidores públicos - sejam eles políticos, policiais ou membros do Judiciário. A corrupção é um câncer que prejudica o desempenho dos órgãos públicos e se coloca como um entrave ao desenvolvimento nacional.

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10. A PF já investigou desvios dentro da própria corporação?

Sim. Desde 1997, várias ações ajudaram a separar o joio do trigo - algumas delas exclusivamente dedicadas a expurgos dos maus elementos. Além disso, várias operações que tinham como foco outros temas acabaram por encontrar maus policiais. Entre 2003 e 2004, por exemplo, 110 agentes federais foram incriminados. O trabalho de "limpeza", porém, deve ser constante.


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