“É o começo de um novo século na educação”, exagerou o presidente Lula, como de hábito. Ele é assim, ninguém mais se assusta. O ministro da Educação, Fernando Haddad, no entanto, seguiu na mesma onda: “vamos superar os desenvolvidos.” Essa euforia é perigosa porque subestima a gravidade dos problemas e aumenta os riscos de que o Brasil não enfrente com realismo os grandes desafios que ainda tem na educação.
A maior parte da verba extra que vai ser transferida no Plano de Desenvolvimento da Educação este ano será dedicada aos mil municípios que têm os piores resultados e, portanto, mais precisam do dinheiro. Para eles, vai R$ 1 bilhão. Pode parecer um valor alto, mas isso representa uma quantia equivalente à que foi gasta, em 2006, com publicidade do governo. Não é isso que permitirá o resgate dos inúmeros problemas acumulados em tantos erros passados.
Neste começo de ano, o Brasil viu que havia crianças sem aula até no Rio de Janeiro, escolas desabando em Pernambuco, alunos andando 14 quilômetros diariamente em Minas para freqüentar o colégio.
Anualmente, ainda 50 mil jovens brasileiros chegam aos 15 anos analfabetos.
Conta feita, ao todo, existem 2,4 milhões de jovens com menos de 30 anos analfabetos.
Não são resultados dos erros históricos e remotos do Brasil; eles atingiram a idade escolar na democracia.
Quem chega aos 30 anos de idade em 2007, tinha 11 anos na promulgação da “Constituição Cidadã”.
Se chegam aos 30 anos analfabetos, são vítimas de erro recente, erro nosso. De todos os últimos governos que tivemos no país.
O Brasil perde em indicadores educacionais na região na comparação com vários países — alguns deles bem mais pobres que nós — em dados básicos, como escolaridade da população.
Essa é a triste realidade.
Portanto, antes de pensar em superar os países desenvolvidos, que o ministro Fernando Haddad nos diga quando vamos superar os vizinhos bem menores que nós.
O avanço iniciado na década de 90 foi bem localizado: aumentou a presença na escola de crianças de 7 a 14 anos, e isso foi uma vitória. Mas a evasão dos jovens de 15 a 17, que estava em queda, voltou a subir nos últimos dois anos. O trabalho infantil, depois de 14 anos caindo, também teve uma pequena, mas inaceitável, alta.
O pior de todos os problemas é a qualidade: alunos se esforçam e passam anos indo à escola e não aprendem sequer a ler e a escrever o básico. A culpa não é dos alunos. O desempenho deles denuncia a incompetência do sistema educacional. Os estudantes fazem o investimento pessoal, vão ao colégio, persistem anos a fio, mas a escola não consegue transferir o conhecimento.
Nesse campo, vários pesquisadores estão tentando entender o que acontece, mas existem duas certezas já conhecidas há muitos anos, há muitas décadas, desde sempre: aprende mais aluno que fica mais tempo na escola e aprendese menos em escola onde falta professor. Quanto a esse ponto, o PAC da educação não é enfático, apenas fala em incentivar projetos de expansão da carga horária. Hoje, a carga mínima é de quatro horas de aula. E é justamente o tempo em sala que mais impacta no desempenho. O que o MEC poderia fazer, pelo menos, era estipular um prazo para que se aumentasse a carga horária.
Quanto à falta de professor, outro problema grave, que deixa alunos que querem estudar sem aprender, o governo mal toca no assunto. Dificilmente os professores são punidos por suas ausências. Aliás, como também não há projetos para incentivá-los. Um professor dedicado, numa escola pública, ganha quase sempre o mesmo que um relapso, que falte muito. E isso faz toda a diferença.
O Plano de Desenvolvimento da Educação representa alguns passos que vão na direção certa. O Fundeb significará maiores salários para os professores e mais recursos federais na educação básica; haverá avaliações com o “provinha Brasil”, o país perseguirá metas, e as universidades terão mais autonomia. Tudo isso é bom. Vai na linha do que já foi feito no governo passado, com o Fundef, os sistemas de avaliação, o provão.
O fato de serem aperfeiçoamentos de medidas que deram certo mostra o caminho: a persistência em mecanismos de avaliação e controle, a busca da universalização e a introdução de inovações, como as metas de desempenho.
Em educação, o Brasil está muito atrasado. Há erros de vários graus. Nada será resolvido por um plano único, num passe de mágica. O século não será salvo por um exagero de linguagem do presidente da República; terá que ser conquistado ano a ano. O trabalho será longo. Os planos devem ser ousados, mas a atitude precisa ser sóbria: pelo muito que falta, pelo tanto que erramos, pelo longo caminho à frente até chegar a um ponto minimamente aceitável.
O assunto não se presta a palanques, principalmente os fora de época.
A linguagem de palanque não oculta os fatos. Anunciar um tímido projeto de informatização da escola não esconde a incapacidade do governo de usar o dinheiro do Fust, que anda mofando. Criado para financiar a informatização e a interligação das escolas públicas, o fundo tem hoje estéreis R$ 5 bilhões.
Numa entrevista concedida ao GLOBO no domingo passado, Jean Hébrard, inspetorgeral do ensino público da França, profundo conhecedor do Brasil, apontou vários defeitos do sistema educacional brasileiro. Um deles: a educação básica é obrigação dos estados e municípios — e não uma questão federal —, e isso aumenta a desigualdade.
Entrevista:O Estado inteligente
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