Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br
Os primeiros acordes não recomendam a qualidade da sinfonia. A oposição já começou errando, com a ameaça do Democratas/PFL de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para garantir a indicação da maioria dos integrantes da CPI do Apagão Aéreo na Câmara.
O gesto a um só tempo desrespeita o Judiciário e fere o regimento do Legislativo. A regra do Parlamento é clara: a comissão deve ser composta com base no tamanho das bancadas dos partidos e, portanto, a maioria governista tem direito ao maior número de indicações.
A decisão da Justiça é igualmente nítida: diz respeito ao direito da minoria de propor investigações e, uma vez estabelecido o fato determinado e obtidas as assinaturas de adesão, instalar a CPI.
Não obstante conheça perfeitamente bem essa realidade incontestável, o líder do partido na Câmara, Onyx Lorenzoni, recorre a um sofisma para defender sua tese, segundo a qual não basta o STF assegurar um direito expresso na Constituição. O tribunal serve também para atuar como linha auxiliar da minoria e transformá-la em maioria a poder de um golpe de mão.
Se é assim que a oposição pretende conduzir a investigação pela qual luta há dois meses, não conseguirá dar conta da CPI. Quem dirá de duas, quando for instalada também a comissão do Senado.
Vejamos a falácia a que recorre o deputado: “Se a Constituição diz que a minoria, em nome da sociedade, tem direito de investigar, ela não pode ter esse direito restringido. O regimento não pode se sobrepor à determinação constitucional.”
A prevalecer essa lógica, poder-se-ia pedir também ao Supremo Tribunal Federal que assegurasse à minoria o direito de ganhar, senão todas, ao menos algumas das votações de seu interesse no Parlamento. Ora, se ela é minoria e por isso perde quase sempre, pelo raciocínio do deputado Onyx, “em nome da sociedade”, deveria ter assegurado o direito a vitórias por decreto legal.
E por que não propor também a alteração dos resultados da eleição de forma a adaptá-lo a esse amplo conceito de “direito da minoria”, já que, “em nome da sociedade”, é preciso haver um equilíbrio de forças no Legislativo?
Caricaturas à parte, conviria à oposição atentar ao fato de que é dela, e não da situação, a responsabilidade maior pela prestação de serviços de qualidade na investigação sobre a crise aérea. Para os governistas, que não hesitaram em infringir a lei para fazer prevalecer a sua posição, está tudo muito bom, anda tudo muito bem na aviação comercial brasileira.
Quem se propôs a investigar foi a oposição e, para isso, invocou o primado da legislação. Sendo assim, sua primeira tarefa é obedecer às normas. Incluindo aí a observância do fato determinado. O STF disse que este é o acidente com o Boeing da Gol, em setembro do ano passado, e se baseou no requerimento dos proponentes da CPI.
Se queriam investigar outros aspectos, que os listassem claramente na proposta. Ou então que tenham agora capacidade de convencer a maioria a aceitar a alteração. Pretender compensar deficiências político-eleitorais lançando mão da Justiça, como se o Supremo fosse um instrumento de luta partidária, é inverter a lógica dos fatores.
Há uma investigação séria a ser iniciada e outra em vias de começar. Se não acertar o passo, tomar tenência, se não se conduzir dentro dos parâmetros a que se propôs para preencher o vácuo de gestão e informação do governo em relação à crise deflagrada a partir do acidente da Gol, e se continuar a privilegiar o circo, como insinuam os primeiros movimentos, a oposição cavará fundo o seu poço.
Os oposicionistas brigaram para ajoelhar, ganharam a parada e agora estão obrigados a rezar a boa prece. Sob pena de se desmoralizar. De vez.
Estranhos no ninho
Em tese, os tucanos não teriam razão para reclamar da visita do presidente do partido, Tasso Jereissati, ao presidente Lula, pois o senador falou antes com todos os cardeais.
E por que se queixam agora pelos cantos e não reagiram na hora?
Porque, dizem, a consulta não deixava margem a contestações. Foi feita na base do comunicado. Mal comparando, assemelhou-se à “consulta” feita pelo então líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães, para obter da bancada de deputados o aval ao apoio do partido à candidatura de Arlindo Chinaglia para a presidência da Casa.
Tudo dominado
O Conselho de Ética da Câmara deu anistia prévia aos deputados envolvidos em escândalos na legislatura passada, contrariando decisão tomada pela própria Câmara em 2003, quando decidiu reabrir processo contra o recém-reeleito Pinheiro Landim, acusado em 2001 de integrar esquema de venda de habeas-corpus a traficantes.
Isto posto, agora é só o plenário confirmar a decisão e fica valendo a regra: imunidade parlamentar passa a ser sinônimo de impunidade para o parlamentar.