Depois de revolucionar a indústria, a Toyota ultrapassa
a GM comoa maior fabricante decarros do planeta
Duda Teixeira
Jeff J. Mitchell/Getty Images |
HYBRID X |
VEJA TAMBÉM
|
A Toyota foi protagonista de duas revoluções em menos de vinte anos. Na primeira, no início dos anos 90, seus métodos de trabalho revolucionaram em escala mundial o conceito de linha de produção. A segunda, na semana passada, revirou a ordem estabelecida no mundo das grandes corporações. De janeiro a março, a empresa japonesa vendeu 2,35 milhões de veículos, enquanto a General Motors, líder entre os fabricantes de automotores desde 1931, só chegou aos 2,26 milhões. Pela primeira vez desde que os modelos Ford T começaram a sair da fábrica, em 1908, uma companhia estrangeira ousou quebrar a hegemonia americana. Os números, embora não sejam válidos para o ano inteiro, são a coroação de uma empresa que se reinventa a todo momento numa constante busca pela eficiência. Sinalizam também que a Toyota foi bem-sucedida fora da linha de produção, ao divulgar uma imagem de qualidade e de compromisso com o ambiente. "A Toyota ensinou empresas do mundo todo a produzir bens livres de defeitos e com menor custo", diz Letícia Costa, presidente da consultoria Booz Allen Hamilton. "Chegou a hora de a companhia ganhar um prêmio por ter protagonizado essa revolução."
A singularidade da Toyota tornou-se conhecida com a publicação de A Máquina que Mudou o Mundo, produzido com base em estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O livro mostrou em detalhes uma maneira distinta de produzir automóveis. A fábrica praticamente não tinha estoques, operários participavam ativamente com sugestões para reduzir custos e interrompiam a linha de produção para evitar defeitos. O resultado era um carro feito a baixo custo e com um padrão de qualidade muito acima do dos concorrentes. O livro previa, ainda, que as medidas protecionistas então em voga não conteriam o avanço dos automóveis nipônicos – previsão que se cumpriu. O Camry, da Toyota, é o veículo mais vendido atualmente nos Estados Unidos. A maneira japonesa de produzir carros cunhou até um conceito, o sistema Toyota de produção, copiado avidamente pelos concorrentes da indústria automobilística, fabricantes de geladeiras e produtores de iogurte.
Na empresa japonesa, os diretores gastam metade do tempo analisando idéias e projetos enviados pelos funcionários. De acordo com The Elegant Solution, escrito pelo americano Matthew E. May, da Universidade da Toyota, 1 milhão de idéias são implementadas anualmente nas várias unidades da companhia. São sugestões das mais variadas. Na produção nacional do Bandeirante, no Brasil, funcionários recomendaram que a tampa da caçamba tivesse duas, e não três, dobradiças, o que gerou economia em escala. "Na Toyota, os empregados passam o tempo todo bolando maneiras de reduzir custos e melhorar a produtividade. É quase uma obsessão", diz Gilberto Kosaka, diretor do Lean Institute, em que ensina o método Toyota para outras empresas. Os funcionários também paralisam a linha de produção para conferir se tudo anda conforme o planejado. Com isso, detectam logo os possíveis defeitos, em vez de consertá-los quando os carros já estão estocados no pátio.
As inovações associaram uma imagem de qualidade à marca, já traduzida em números. Há dez anos, para cada 100 veículos produzidos na Toyota nos Estados Unidos, era possível encontrar pouco mais de quarenta problemas nos primeiros três meses de uso. O índice obtido pelas demais empresas era bem superior: 100 problemas em cada 100 veículos. Isso faz com que um Toyota com dez anos de uso apresente em média o mesmo número de falhas que um carro americano, alemão ou coreano cinco anos mais novo. De lá para cá, os demais fabricantes de carros também melhoraram. Um Toyota apresenta hoje 42 problemas para cada 100 veículos, enquanto os concorrentes têm, em média, 57. Na sul-coreana Hyundai, são 47. Na Ford, 52. "Estatisticamente, a qualidade de um Toyota é hoje igual à das outras marcas", disse a VEJA o americano Alexander Edwards, pesquisador da Strategic Vision, uma consultoria com sede em San Diego, na Califórnia. "A diferença é que os japoneses têm conseguido divulgar melhor uma imagem de qualidade do que os seus competidores."
Nos Estados Unidos, a Toyota é considerada a mais ecológica entre os fabricantes de carros. Em parte, isso se deve ao lançamento do primeiro veículo híbrido, o Prius, que funciona com eletricidade e gasolina. Em Hollywood, o modo mais simples de uma celebridade demonstrar preocupação com o ambiente é se deixar fotografar a bordo de um Prius. O híbrido é relativamente barato: 22 000 dólares o modelo básico. Para chegar ao topo, a Toyota também contou com a fase difícil vivida pelas rivais. A General Motors enfrentou sua maior crise há dois anos, quando o custo dos benefícios concedidos aos funcionários atingiu valor equivalente a dez anos de orçamento em pesquisa e desenvolvimento. Para voltar a andar, a GM decidiu fechar doze fábricas até 2008 e já demitiu 30 000 empregados. A Ford teve no ano passado seu maior prejuízo financeiro, 12,7 bilhões de dólares, e também está fechando e demitindo. A Toyota vai na direção oposta. No início de março, anunciou planos de construir sua oitava fábrica na América do Norte. Os 36 bilhões de dólares que tem no banco permitem investir em novos carros. Até o fim da década, a Toyota deve substituir 83% dos modelos de sua linha, mais do que qualquer outra empresa automobilística.
No Brasil, a empresa é uma sombra do que faz no resto do mundo. Ficou em oitavo lugar no ranking nacional de vendas de automóveis do ano passado. Seu primeiro carro com motor flexível, capaz de rodar com gasolina e álcool, só começará a ser vendido nesta semana, mais de quatro anos depois da estréia do flex fuel. A empresa diz que estuda a construção de uma nova fábrica no Brasil. O movimento estaria em sintonia com as projeções dos especialistas, que apostam no crescimento dos mercados de países em desenvolvimento. "Ter uma boa participação na China, na Índia, no Brasil e em outros países será quase tão importante quanto nos mercados tradicionais", disse a VEJA David Cole, presidente do Centro de Pesquisa Automotiva, uma consultoria americana. Para ser mais competitiva nesses mercados, a companhia precisaria vender aqui um carro menor, popular. A Toyota, aparentemente, não tem pressa de chegar lá.