Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, abril 23, 2007

O imperador do lápis vermelho


"D. Pedro II" de José Murilo de Carvalho faz retrato sensível
do chefe de estado que era um defensor árduo da "coisa pública"

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com elegância, concisão e fino humor, José Murilo de Carvalho traça um amplo painel da vida de d. Pedro II (1825-1891) e da história do Brasil do período. É um retrato simpático, algumas vezes emotivo, da vida do imperador.
Porém a maior impressão é a contraposição que o leitor poderá fazer entre os 50 anos de reinado de d. Pedro II e a história da República, marcada, paradoxalmente, pelo descaso em relação à "coisa pública."
O Segundo Reinado foi caracterizado pela ampla liberdade de imprensa. Deste então, nunca se viu uma imprensa tão crítica ao governo e ao chefe de Estado. Este, especialmente, foi atacado por todos, escravistas, republicanos, abolicionistas.
Ora era o Rei Caju, o César caricato ou o Pedro Banana.
Sua família era a "estirpe sinistra." Os ataques eram de todas as ordens.
Um pasquim afirmou que o imperador era "doido por um caldinho de franga" (referência aos amores extraconjugais). Silva Jardim, propagandista da República, pregou o fuzilamento do seu genro, o Conde d"Eu.
Sua filha, Isabel -- sucessora do trono -- era ridicularizada, considerada incapaz e acusada de abrigar escravos fugitivos.

Infância infeliz
Escravocratas diziam que havia um quilombo em Petrópolis, isso porque a sucessora do trono sempre se manifestou pelo fim da escravidão e seus filhos editavam um pequeno jornal abolicionista.
O imperador teve uma infância infeliz, sem mãe -- que morreu quando tinha um ano-- sem pai -- que partiu para a Europa em 1831 e morreu três anos depois -- sem parentes próximos, foi o "órfão da nação," criado por tutores nomeados pelo Parlamento.
Viveu solitário, só tendo a companhia das irmãs. Teve uma rígida educação -- muito distinta de qualquer criança da época -- preparando-o para o exercício das funções constitucionais. É desse momento o seu amor pelos livros e pelas ciências.
Apaixonado pelas línguas, falava latim, alemão, inglês, italiano e espanhol. Lia grego (traduziu "Prometeu Acorrentado" de Ésquilo), árabe, hebraico, sânscrito, provençal e tupi.
Tinha três bibliotecas, com 60 mil volumes. Lia obsessivamente. E não escolhia hora ou lugar: sempre estava acompanhado de um livro.
Travou correspondência com importantes intelectuais e cientistas europeus. Nas três viagens que fez à Europa -- a primeira, quando completou 50 anos -- encontrou-se com reis, rainhas e principalmente com intelectuais. Fez parte da Academia de Ciências francesa.
Em 1876, na longa visita que fez aos Estados Unidos (três meses), foi o único chefe de estado estrangeiro convidado para a inauguração da Exposição Industrial da Filadélfia, comemorativa do centenário da independência americana.
Foi o imperador de uma corte pobre, sem recursos financeiros (teve dificuldade, justamente por isso, de encontrar pretendentes para suas filhas).

Recursos próprios
As três viagens que fez ao exterior foram realizadas com seus próprios recursos. E mesmo assim teve de contrair empréstimos. Apesar dessas dificuldades, pagou pensões para jovens cientistas, poetas, pintores, músicos estudarem na Europa ou nos EUA.
Foi cioso na utilização de recursos públicos. Lia, inclusive, jornais provinciais para acompanhar os comentários sobre as administrações locais.
Anotava a lápis vermelho as acusações encontradas e encaminhava para que os ministros apurassem.
Quando viajou para a Europa, em 1871, recomendou à princesa Isabel que uma boa administração dependia, sobretudo, "da nomeação de empregados honestos e aptos para os empregos." Dividido entre os livros, o amor pela condessa de Barral (que foi preceptora das filhas Isabel e Leopoldina) e as funções de chefe de estado, acabou derrubado pela sedição militar de 1889.

Vida difícil
Foi para o exílio. Viveu em meio a dificuldades financeiras. Teve de fazer vários empréstimos. Mas não deixava de pensar no Brasil.
Anotou no diário em 30 de janeiro de 1891: "Sonhei com o meu Rio, que me deixavam ir, e eu logo fui embora como de viagem. Que felicidade! Lá iria passar o inverno daqui, em Petrópolis, voltando na primavera que é, na Europa, lindíssima. Foi um sonho. Acenderam a lâmpada e vou ler."
Morreu aos 66 anos de idade, em Paris. O presidente Sadi Carnot determinou que o velório ocorresse com honras militares.
O governo brasileiro não mandou nenhum representante. Mas os franceses estiveram presentes: 200 mil parisienses acompanharam o corpo até a estação de Austerlitz. De lá seguiu de trem para Portugal.


D. PEDRO 2º - SER OU NÃO SER
Autor:
José Murilo de Carvalho
Editora: Companhia das Letras
(tel. 0/xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 37 (288 págs.)

NA INTERNET - Leia entrevista com José Murilo de Carvalho em
www.folha.com.br/071082

MARCO ANTONIO VILLA é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de "Jango, um Perfil."

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