Mailson da Nóbrega *
Vários fatores explicam o êxito da agricultura nos últimos anos. A meu ver, seis deles se destacam: (1) incentivos de mercado; (2) capacidade empresarial; (3) tecnologia; (4) estabilidade macroeconômica; (5) redução da intervenção estatal; e (6) mudanças institucionais que eliminaram o subsídio creditício generalizado.
Comecemos pelo último ponto. Durante décadas, prevaleceu no Brasil a idéia, equivocada e sem paralelo no mundo, de que o crédito oficial, a juro de subsídio, deveria ser o principal incentivo à agricultura. O Banco do Brasil chegou a responder por 90% da oferta desse benefício, que se alimentava de mecanismo institucionalmente atrasado e financeiramente insustentável, isto é, a “conta de movimento”. No início dos anos 1980, como seria de esperar, o peso do subsídio se tornou insuportável.
O crédito subsidiado tinha muitos outros inconvenientes. Não incentivava a busca de aumentos de produtividade, pois o subsídio compensava as ineficiências. Como instrumento de política agrícola, o crédito funcionava apenas para quem tinha acesso a um banco. Milhares de pequenos agricultores ficavam de fora. O estímulo à fraude era imenso, o que gerou inúmeros escândalos.
Em 1984, a proposta de eliminação da “conta de movimento” foi condenada por uma coalizão formada por líderes da agricultura, intelectuais, funcionários do Banco do Brasil e sindicalistas. Falava-se em conspiração para entregar o BB aos bancos privados. Dizia-se que a agricultura sofreria um colapso, a fome rondaria os lares e outras previsões catastróficas. Na época, a safra de grãos girava em torno de 52 milhões de toneladas.
A “conta” acabou e nada disso aconteceu. Como mostra excelente artigo de Marcos Jank e André Pessôa (Estado, 16/4/2007), a agricultura está mais forte do que nunca. “Em 2007, o Brasil vai colher a maior safra de grãos de sua história - 134 milhões de toneladas -, graças ao clima favorável, aos fortes ganhos de produtividade e à melhoria dos preços internacionais”. Mais: “Os produtores brasileiros seguem dando mostras inequívocas de sua competência técnica e capacidade de resistir às constantes adversidades, como a taxa de câmbio valorizada, a infra-estrutura e o aumento do custo dos derivados de petróleo”.
O fim do crédito subsidiado fez despertar o empreendedorismo dos produtores, que estava adormecido pelo efeito dos subsídios. Eles agora reagem aos incentivos de mercado. Conquistaram o cerrado e melhoraram a eficiência em outras áreas, ajudados pelo uso de sementes de melhor qualidade, pelo plantio direto e por outros avanços. A Embrapa contribuiu decisivamente e a ela cabe grande parte do crédito pelo êxito.
Duas outras pragas desapareceram: a inflação e as intervenções freqüentes do governo nos mercados agrícolas. A inflação era particularmente perversa para os produtores e gerava volatilidades inibidoras do investimento. Intervenções como o controle de preços e as restrições aleatórias às exportações geravam perdas e incertezas.
Extinta a muleta do crédito subsidiado, surgiram espontaneamente novas fontes de financiamento, como os fornecedores de insumos e os processadores de produtos. A estabilidade macroeconômica e a sofisticação nos mercados financeiros viabilizaram novas modalidades de crédito e o acesso aos mercados futuros, que reduzem riscos.
A agricultura brasileira é um belo exemplo de como adequadas mudanças institucionais, associadas ao empreendedorismo, à estabilidade, à previsibilidade e à tecnologia podem promover o desenvolvimento. Não foi preciso uma “política agrícola” (na forma como é conhecida no Brasil) nem favores oficiais. Praticamente não há subsídio, como reconheceu recentemente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A agricultura precisa de medidas para melhorar a eficiência fora da porteira, como a infra-estrutura, a defesa de nossos interesses comerciais no exterior, ações sanitárias competentes, um sistema tributário decente e uma legislação trabalhista moderna. E, claro, a aplicação do rigor da lei aos invasores de propriedades rurais. Dentro da porteira, nossos produtores andam bem, com suas próprias pernas.
Movimentos parecidos ocorrem em outros segmentos, que também precisam elevar sua competitividade, mas não ficam por aí reclamando de juros e do câmbio.