Pesquisa mostra um fato surpreendente: as
melhores escolas públicas do Distrito Federal
são também as mais pobres
Marcos Todeschini
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Uma nova pesquisa sobre as escolas públicas do Distrito Federal chegou a uma conclusão que contraria o senso comum – e pode ajudar os pais a tomar uma difícil decisão: apesar de muita gente priorizar o conjunto de instalações e o estado do prédio ao optar por uma escola, esses são fatores que têm impacto modesto na qualidade do ensino ofertado em sala de aula. A pesquisa comprova isso por meio de um fato surpreendente: entre as dez escolas campeãs de ensino do Distrito Federal, segundo ranking do Ministério da Educação, sete não apresentam nenhum traço externo de modernidade. Ao contrário. São depósito de cadeiras sem encosto, acumulam goteiras e convivem com vidros (eternamente) quebrados. A mais pobre no grupo da excelência acadêmica, a escola 801 de Recanto das Emas é de longe o exemplo mais extremo: funciona em frágeis galpões de madeira, nos quais a temperatura no verão gira em torno de 40 graus Celsius – uma estufa sem direito a ventilador. A escola não tem sequer pátio para o recreio. Outras pesquisas já haviam encontrado bom ensino em meio a precariedades como as de Recanto das Emas. O mérito do atual estudo, conduzido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, foi mapear o que tais escolas têm em comum – e jogar luz sobre as soluções que elas dão à falta de recursos. Resume a secretária Maria Helena Guimarães: "As escolas campeãs apontam para o que de fato importa ao bom ensino".
Um ponto que une as dez melhores escolas públicas do Distrito Federal é o foco que dão à leitura, um hábito raro entre os estudantes brasileiros – a maioria ainda apresenta dificuldade em chegar ao final de um bilhete, de acordo com os exames oficiais. Em Recanto das Emas, dá-se uma aula extra para exercitar nos alunos a capacidade de interpretar textos e contorna-se a pobreza do acervo local de modo simples: os professores emprestam seus livros aos estudantes. Eles adoram. "A melhor hora do dia é a da biblioteca", sintetiza Lucas Venâncio, 12 anos, da 6ª série. A experiência dessa e de outras escolas públicas do Distrito Federal enfatiza a eficácia de outra medida também rara na rede pública: a de se exigir de estudantes como Lucas a leitura de um número mínimo de livros por ano – prática ignorada pelos piores colégios do Distrito Federal, de acordo com o mesmo estudo. A definição de metas acadêmicas de uma forma mais geral tem demonstrado ser um motor para o sucesso escolar. Nas escolas campeãs, todos os professores seguem um detalhado roteiro para as aulas, estabelecido no princípio do ano. Faz-se o básico: com planejamento, não há lugar para o improviso, um hábito ruim em escolas como a 411 de Samambaia, entre as piores do Distrito Federal. Lá, os professores é que escolhem o que será assunto de sala de aula, sem se guiarem por meta alguma. "Ensino o que considero interessante aos alunos", diz a professora Nice Höhn. Não tem funcionado.
A pesquisa do Distrito Federal chama atenção ainda para a eficiência de um tipo raro de escola no Brasil: a que aplica nas fronteiras acadêmicas alguns dos preceitos empresariais. É o caso das dez melhores escolas pesquisadas, nas quais o modelo de gestão tem pelo menos três características em comum. A primeira é que elas estão sob o comando de um diretor presente à vida escolar. O segundo ponto que as aproxima é a cultura de encontrar soluções caseiras para lidar com a crônica falta de dinheiro. Eis um exemplo: no ano passado, o geógrafo Marcos Antônio Farias, diretor em Recanto das Emas, liderou uma tropa de professores que foi aos vizinhos pedir doações para a construção de uma quadra esportiva. O geógrafo juntou mais dinheiro ao visitar, ele próprio, vinte empresas da região. O projeto logo saiu do papel.
Por fim, as melhores escolas do Distrito Federal revelaram ser (quem diria) boas empregadoras. Seus professores têm cerca de cinco anos de casa – uma eternidade em comparação com a média nacional, de apenas um ano. O estudo esclarece o que os faz permanecer no emprego: eles recebem incentivos pelo bom desempenho dos estudantes em sala de aula. Em alguns casos, são presenteados com livros e material didático alternativo. Noutros, são aplaudidos em cerimônias públicas. Tudo simbólico. No fim do mês, ganham salários iguais aos do restante da classe. Conclui o especialista Claudio de Moura Castro: "A pesquisa traz mais uma prova de que o salário dos professores, assim como a infra-estrutura da escola, não é determinante do bom ensino". A excelência, como se vê, resulta de uma cartilha bem mais simples, aplicada à risca nos animados galpões de Recanto das Emas.