O ponteiro é o de menos Com aparência surpreendente, uma nova geração de relógios de pulso tenta conquistar as pessoas que hoje só vêem as horas no celular ou no iPod Rafael Corrêa
Fotos divulgação
| 1 O Equalizer, da Tokyoflash, usa um efeito em 3D para imitar os mostradores de aparelhos de som. Preço: 150 dólares | 2 A Nooka se inspirou na barra de download dos PCs para criar o modelo Zen-H. Preço: 250 dólares
| 3 No Think the Earth, da Seiko, a hora é marcada pelo globo, que imita a rotação da Terra. Preço: 500 dólares
| 4 O modelo Alien, da Android, foi inspirado nos ETs dos filmes de ficção científica. Preço: 95 dólares
| 5 O O-ring Digi foi projetado pelo francês Philippe Starck para a Fossil. No mostrador, o círculo indica os minutos. Preço: 110 dólares |
No início do século XX, os relógios eram pendurados em correntes e serviam muito bem a quem andava a cavalo ou a pé – mas não a Santos Dumont, que precisava manter as duas mãos no controle de suas aeronaves. Sugeriu então uma solução a seu amigo Louis Cartier: o relógio preso a uma pulseira. Com o charme de ter sido criada pelo joalheiro mais chique de Paris especialmente para o então mais celebrado desportista e inventor da França, a novidade foi um sucesso estrondoso, a ponto de se tornar um item obrigatório da vida urbana. Pelo menos até pouco tempo atrás. No momento, os fabricantes de relógios de pulso enfrentam concorrentes inesperados: para ver as horas, cada vez mais gente recorre ao celular, ao iPod, à tela do computador e a outras engenhocas eletrônicas. Entre muitos jovens, os relógios de pulso adquiriram um certo ar de coisa do tempo de seus pais. Nos Estados Unidos, segundo a consultoria Packaged Facts, as vendas desse acessório caem desde o início da década e encolheram 4,9% em 2005 – os números de 2006 ainda não estão disponíveis. A queda mais acentuada ocorre no segmento dos mais baratos, com preço abaixo de 50 dólares, justamente aqueles destinados à freguesia mais jovem. No Brasil, entre 2002 e 2006, o mercado de relógios de pulso não cresceu: ficou estacionado na casa dos 400 milhões de reais. Segundo uma pesquisa recente da indústria de celulares Nokia, de cada dez donos de celular, seis dizem que o aparelho é a primeira opção usada para ver as horas. Diante da ameaça de seu produto cair em desuso, como ocorreu com o chapéu e com as polainas, muitos fabricantes estão agora empenhados em projetos para tentar transformar o relógio em objeto de desejo, como foi no passado. Alguns deles até aceitaram que ele deve servir mais como adorno do que para ver as horas. Para ser vendido, é preciso que o relógio seja visto pelo consumidor como acessório de moda e objeto de expressão pessoal. O resultado – como se nota nestas fotos – são peças bonitas, inusitadas e, algumas delas, extravagantes. Em certos modelos, inteirar-se das horas fica até em segundo plano. O principal é causar sensação com a estranheza do relógio. Na busca pela inovação, grandes fabricantes têm investido em parcerias com designers famosos para remodelar seus produtos. O francês Philippe Starck, a estrela do design contemporâneo que coloca seu nome em todo tipo de coisa, de cadeira a cadeia de hotéis, criou para a Fossil relógios fiéis a seu estilo leve e alegre. O Wrappd Analog e o O-ring Digi, desenhados por Starck, já ajudaram a aumentar as vendas da empresa. A japonesa Seiko, por seu turno, buscou parceria com o conterrâneo Issey Miyake, reconhecido por sua produção de vestuário. Apesar dos esforços das grandes companhias, são os fabricantes menores que estão tendo sucesso em virar o jogo. A japonesa Tokyoflash é especialista na criação de relógios que causam surpresa. Em alguns de seus modelos, como o JLr7, para ver as horas é preciso deslindar um verdadeiro quebra-cabeça (veja quadro na pág. 99). Usando luzes do tipo LED (as que estão sempre acesas nos eletrodomésticos) e telas de cristal líquido, os relógios da Tokyoflash imitam sistemas de radar, medidores de radiação e displays de equalizadores de som. Um modelo da americana Nooka, associada ao badalado designer Matthew Waldman, usa barras no lugar de ponteiros ou números. Funcionam de maneira semelhante à das barras de progressão que aparecem na tela do computador durante o download de um arquivo e são preenchidas conforme as horas vão passando. "As empresas pequenas e independentes têm maior liberdade para ousar mais e criar relógios cuja função de mostrar horas é secundária. Elas usam o impacto visual como estratégia de marketing", disse a VEJA o americano Timothy Dowd, analista da consultoria Packaged Facts e autor de um estudo detalhado sobre o mercado de relógios nos Estados Unidos. O que os fabricantes tentam agora é vender aquilo que os especialistas de marketing chamam de "experiência de consumo". O modelo de todos eles é a suíça Swatch. Em 1983, quando a indústria de relógios da Suíça perdia fôlego diante da concorrência japonesa, a empresa empreendeu uma mudança ousada no estilo das peças e na estratégia de marketing de seus relógios a quartzo. Com modelos muito coloridos, alguns superfinos, a Swatch conseguiu associar seus relógios às emoções da juventude. No Brasil, a estagnação do mercado, segundo os fabricantes, deve-se mais à competição dos relógios piratas e contrabandeados, vendidos pelos camelôs, do que ao uso alternativo. Mas, evidentemente, eles estão conscientes de que o país não vai escapar das mudanças na preferência da freguesia. Os relógios de estilo extravagante não devem demorar para inundar as vitrines brasileiras. NO MUNDO DO LUXO, O TITANIC VIRA RELÓGIO Fotos divulgação
| O Titanic (à esq.) é feito com aço retirado dos escombros do transatlântico que afundou em 1912. Preço: 173 000 dólares. O RM 012 (à dir.) deixa à mostra suas engrenagens. Preço: 105 000 dólares |
Ao contrário do que ocorre no Brasil e nos Estados Unidos, os fabricantes de relógios da Suíça não têm do que se queixar – suas exportações cresceram 11% entre 2005 e 2006. Segundo a Federação da Indústria Relojoeira Suíça, o principal responsável pelo aumento das vendas é o segmento de alto luxo, cujos ícones são os Rolex de ouro maciço e os Cartier incrustados de diamantes. A surpresa é que fabricantes desse nicho tão bem-sucedido também têm se aventurado no terreno da extravagância para atrair novos compradores. Na semana passada, na Suíça, durante a feira de relógios e jóias Baselworld, a Romain Jerome anunciou o lançamento de relógios feitos com aço recuperado do Titanic, o navio que afundou em 1912. Conhecida por seus relógios para golfistas, a Romain Jerome comprou um pedaço da quilha do transatlântico antes que seus escombros fossem protegidos contra a exploração de aventureiros. O pedaço de metal, com 1,5 quilo, foi certificado pela Harland & Wolff, fabricante do transatlântico, e transformado em peças para a nova coleção. O Titanic-DNA, como é chamado, custa 173 000 dólares, na versão mais cara. | No Hautlence (à esq.) os minutos são marcados de trás para a frente. Preço: 10 000 dólares. O Vulcania (à dir.) é inspirado em antigos instrumentos de navegação. Preço: 70 000 dólares |
A Romain Jerome faz parte de um grupo de oficinas independentes que surgiram nos últimos anos e, com rapidez, ocuparam posições de prestígio no segmento relojoeiro de luxo. Essas pequenas indústrias aplicam a seus relógios a técnica e a precisão suíças, mas valorizam a criatividade em lugar da tradição. O design ousado de suas peças pouco lembra o dos relógios de empresas centenárias, como Girard-Perregaux e Patek Philippe. As oficinas produzem poucos exemplares de cada modelo e praticamente não fazem publicidade. A notícia de seus lançamentos corre no boca-a-boca entre os muito ricos. | |