Raul Velloso*
Com o PAC e embalado pelo atual cenário externo, o governo anunciou o aumento dos seus investimentos e depois se reuniu com os governadores. Oferecendo um menu de opções, estes pediram apoio para participar do alívio fiscal anunciado. Faz sentido? O assunto será discutido em dois artigos neste espaço. O outro deverá sair dia 5 de maio.
O fato é que, sob a apertada camisa-de-força que se colocou nos últimos anos sobre os governos estaduais e municipais, com prós e contras, foi possível transformá-los de contumazes geradores de resultados fiscais negativos em entes, em geral, superavitários. De 1995 a 1998, mesmo sem incluir juros, só houve déficits, em todos os anos. De 1999 para cá, os déficits sem juros viraram superávits, e superávits expressivos, chegando hoje a cerca de 1/4 do superávit primário global. Sem a sua inclusão no esforço de ajuste fiscal, a dívida pública dificilmente estaria hoje sob controle. Isso é sustentável? Ou terá de vir algum alívio? É arriscado haver perda de controle?
A citada camisa-de-força se dá, na essência, via três elementos: regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); vinculações de receitas; e contratos de renegociação de dívidas com a União.
Pela LRF, os Estados brasileiros devem gastar no máximo 60% de suas Receitas Correntes líquidas (RCL) com pessoal (sendo 49% para o Executivo e 11% para os demais poderes). Com as exceções que sempre ocorrem, os Estados vêm conseguindo obedecer a esses limites, pondo fim a uma antiga fonte de pressão sobre déficits no setor público brasileiro. O difícil é convencê-los a aprofundar mais esse ajuste. Por que baixar mais, se a LRF permite gasto naquele nível? Há, assim, o risco de os limites da LRF virarem piso.
A maioria das constituições estaduais exige que se gaste pelo menos 25% de suas receitas líquidas em educação e 12% em saúde. Isso implica que qualquer economia de gasto na despesa de pessoal relativa a esses setores só é aproveitada dentro desses mesmos segmentos. Ou seja, acaba se traduzindo em aumento do item “outros custeios e capital”, relativo a esses setores. As vinculações impedem a transferência de recursos poupados com pessoal para outras finalidades de eventual interesse da sociedade local, além de deixarem a dúvida se faz realmente sentido gastar tais quantias nos setores de educação e saúde e não em outros segmentos que possam deter, eventualmente, prioridade superior.
Em 1998/1999, a União assinou, com todos os Estados, contratos de renegociação das dívidas ainda fora desse tipo de esquema, com taxas de juros fixas, e em troca do comprometimento de parcela de cerca de 13% das suas receitas para servir todas as dívidas renegociadas até então consigo, deixando de fora basicamente as dívidas de origem externa (de maior peso nos Estados pobres). As prestações são pagas automaticamente mediante desconto nas transferências constitucionais enviadas aos entes federados, o que garante que algum superávit sem juros vai se realizar. Há outros compromissos, mas aqui não há espaço para detalhá-los.
As metas de superávits primários (sem juros) se deduzem implicitamente dos compromissos de pagamento do serviço da dívida, da trajetória de endividamento (considerando, inclusive, as autorizações para novos endividamentos - que acabam se concentrando nos Estados mais ricos) e das perspectivas de alienação de ativos e recebíveis de propriedade do Estado (igualmente relevantes para os mais ricos).
Imaginando nenhuma contratação de empréstimo novo e a inexistência de ativos e recebíveis para alienar, o superávit primário corresponde ao pagamento total do serviço da dívida. Em alguns casos, esse valor pode alcançar parcela superior a 20% de Receita Líquida Real (ou algo ao redor de 17% de RCL), em vista de pesados pagamentos da dívida extralimite. Nessas condições, mesmo tendo encontrado um jeito de se obrigar os Estados a gerar superávits elevados, é possível antever que, depois de computar as vinculações de educação e saúde e considerar os pagamentos de pessoal fora desses setores e do serviço total da dívida, sobrará pouco espaço para gastos em programas propriamente ditos, a não ser nas áreas de educação e saúde.
Assim, talvez mais que a União, os Estados (principalmente os mais pobres) tenham ficado com margem bem restrita para realizar investimentos (como os investimentos em transportes) e outros gastos importantes fora educação e saúde (como segurança).
*Raul Velloso é consultor econômico