Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 29, 2007

FERREIRA GULLAR

Urgência e sensatez


Crer que criminalidade cairá sem se resolver questão do tráfico é tapar o sol com peneira

A QUESTÃO da criminalidade continua no centro das preocupações de nós todos. O aumento da violência chegou a um ponto intolerável e isso tem mobilizado a opinião pública em todo o país. E, a cada momento, novos fatos vêm mostrar como essa é uma questão complexa e de difícil solução.
Já mais de uma vez, manifestei minha opinião de que não se pode apontar, como causa única da criminalidade, a desigualdade social. Certamente, as condições adversas em que uma criança se crie podem influir sobre seu comportamento, mas, como se sabe, a imensa maioria dessas crianças não se encaminha para o crime.
A redução da desigualdade deve ser o objetivo primeiro de uma sociedade civilizada e digna, mas seria ilusão pensar que, com isso, a criminalidade desapareceria. Os exemplos surgem a cada momento: nas últimas semanas, noticiou-se que jovens de classe média alta estão envolvidos com o crime. É inevitável perguntar: se esses jovens nunca conheceram privações, não foram criados num ambiente de violência e têm até curso superior, por que se tornaram criminosos?
Não pretendo ter a resposta para essas perguntas, mas uma coisa é certa: o criminoso pode surgir em qualquer classe social, em qualquer meio familiar independente do nível cultural. Do contrário, como explicar a corrupção que grassa nas altas rodas, envolvendo empresários, juízes e desembargadores?
Li recentemente um artigo acerca da criminalidade entre os jovens de menor idade, em que se relatava o comportamento de um menino de nove anos de idade que havia cometido furtos e agressões. Ao chegar à delegacia, verificada sua pouca idade, foi ele solto mas, em lugar de se dar por contente, cuspiu no rosto do policial que o prendera e o ameaçou de morte. Observou o autor do artigo que esses meninos conhecem muito bem as garantias que lhes dá o Estatuto da Criança e do Adolescente e delas se valem para agir livremente sem temer punições. E levanta a questão: até onde se deverá reduzir a maioridade penal, se um menino de nove anos já age desse modo? Conclui que a solução está na família e na escola.
Essa é a conclusão (equivocada) a que muita gente chega. Claro que dar afeto e educação às crianças é o mínimo que se exige de uma sociedade civilizada. Mas não será isso que impedirá o jovem de optar pelo crime. Resumindo: ninguém sabe exatamente qual o remédio mágico que curará essa doença social. Acho que esse remédio mágico não deve ser buscado, simplesmente porque não existe.
Se não me equivoco, o problema nem sempre tem sido focalizado com clareza e uma das principais razões dessa confusão é, a meu ver, o diagnóstico errado de que a causa é apenas social, quando ela pode ser também psicológica, genética, patológica e freqüentemente vinculada ao consumo e ao tráfico de drogas. Imaginar que se reduzirá a criminalidade sem resolver o problema do tráfico é tapar o sol com a peneira.
Devemos esquecer as medidas mágicas e nos habituar com o fato de que os problemas raramente ou nunca têm soluções únicas e definitivas. Para atacá-los com êxito, é preciso pensar com amplitude, isenção, método e paciência.
Um ponto que, a meu ver, deve ser descartado é a suposição de que, se determinada lei ou agravamento da pena não reduz a criminalidade, de nada adianta agravar a punição. O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos afirmou que a pena para crimes hediondos deveria ser extinta porque sua vigência não reduzira esse tipo de crime. Se fosse assim, então deveríamos extinguir o próprio Código Penal, já que a criminalidade nunca parou de crescer. Raciocínio semelhante conduz a opor-se à redução da maioridade penal, quando, tanto num caso como noutro, trata-se de dar à sociedade meios de se defender da ação dos criminosos. Na verdade, o critério mais justo e eficaz seria aplicar aos menores penas condizentes com a gravidade do crime praticado.
A tese de que a causa da criminalidade é a desigualdade torna o bandido vítima e a sociedade, culpada. Em função disso, criam-se leis complacentes, que estimulam a prática do crime. Não se trata, claro, de encerrar o condenado num calabouço como num inferno. O certo é fazer das penitenciárias lugar de recuperação e educação profissional do criminoso, mas suficientemente seguro para mantê-lo, pelo tempo necessário, longe do convívio social. Em suma, deve-se compreender que uma coisa é a busca de soluções a longo prazo e outra, urgente, garantir a segurança e a tranqüilidade dos cidadãos agora.

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