Contrastando com uma safra de bons
governadores, Ana Júlia Carepa só
quer saber de dar felicidade a seus
parentes e amigos
Victor De Martino
A política brasileira é tão machista que, quando uma mulher chega ao poder, se espalha que é seu marido quem manda no governo. Dizia-se, por exemplo, que Jorge Murad administrava o Maranhão para Roseana Sarney e que Anthony Garotinho geria o Rio de Janeiro para Rosinha Matheus. Quando a ministra do Turismo, Marta Suplicy, era prefeita de São Paulo, insinuava-se que o comando estava com seu marido, Luis Favre. A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, 49 anos bem vividos, é a nova vítima desse tipo de comentário. A oposição diz que a eminência parda de seu governo é um de seus ex-maridos, Marcílio Monteiro, atual secretário de Projetos Estratégicos do Pará. Foi pelas mãos de Monteiro que Ana Júlia ingressou na política sindical e no PT. Nem mesmo a separação, ocorrida há mais de dez anos, impediu que ele continuasse a dedicar sua vida à carreira da ex-mulher. Mas os adversários, desalmados, não entendem que as relações afetivas possam sobreviver às intempéries. Não compreendem, enfim, que a governadora é muito família, só isso. Ela não tem medo de ser feliz, gente.
Eleita senadora em 2002, Ana Júlia retribuiu o empenho de Monteiro. Emplacou-o na chefia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) no Pará. No cargo, ele articulou a candidatura da ex-mulher à prefeitura de Belém. Ana Júlia acabou derrotada e Monteiro, suspeito de improbidade administrativa. Na CPI da Biopirataria, ele chegou a ser acusado de autorizar a exploração ilegal de madeira em troca de dinheiro para as campanhas do PT. Um empresário declarou que a propina ia para a conta de Joana Pessôa, caixa de campanha de Ana Júlia. Por causa dessas denúncias, o PT a preteriu no momento de escolher seu candidato a governador. Ana Júlia só participou da disputa porque o deputado Jader Barbalho, do PMDB, convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que era possível elegê-la. Uma vez instalada no palácio, Ana Júlia recompensou a todos. Empregou sete parentes, Joana Pessôa – e deu a Jader onze cargos, que, juntos, controlam 33% do orçamento estadual. Jader, puxa, é como se fosse da sua família, né?
Nos anos 80, o incorrigível Jader empregou o pai de Ana Júlia, Arthur Carepa, na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Carepa estava afastado dos postos oficiais desde 1964. Naquele ano, o regime militar o demitiu da Secretaria de Obras de Belém depois que uma comissão de investigação concluiu que ele "exerceu o poder corruptor e cometeu desonestidade: sonegou; enriqueceu ilicitamente". As acusações não redundaram em processo criminal, mas Carepa teve seus direitos políticos cassados até 1979, quando foi anistiado. Longe da vida pública, sobreviveu com a receita de sua academia de natação, que, naquele tempo, era a preferida dos ricos de Belém. Por causa da escola, seus sete filhos conviveram com a juventude dourada local. Ana Júlia só teve de enfrentar a reputação do pai quando passou a fazer política, na faculdade de arquitetura. Nesse tempo, apaixonou-se por Rômulo Paes de Sousa, um líder estudantil que se tornou seu primeiro marido e pai de seu filho, Júlio. Influenciada por ele, militou no PCdoB. Ao passar num concurso do Banco do Brasil, em 1983, ela mudou de partido e de companheiro, mas, como é muito família, não se esqueceu de Sousa, indicando-o para a Secretaria de Avaliação do Ministério do Desenvolvimento Social do governo Lula. Seu novo marido, Marcílio Monteiro, levou-a para o PT. Ao fim dessa relação, Ana Júlia tinha uma filha, Juliana, e o grupo político que hoje a acompanha.
Marcio Ferreira/Imapress |
Ana Júlia: com o dinheiro público, emprega o namorado, paga aluguel, férias... |
A governadora costuma relacionar o fim do segundo casamento com sua emancipação pessoal. Uma vez separada, ela caiu na night. Ao som de forró e brega (no Pará isso não é adjetivo, mas gênero musical), Ana Júlia passou a exibir em bares e boates seu talento de dançarina. Muitos caíram apaixonados. Um deles fisgou o coração da então senadora, deixando de ser "ficante" para tornar-se namorado oficial – o piloto de avião Mário Fernando Costa. E bota oficial nisso: a governadora muito família empregou-o como administrador do hangar do estado. A desenvoltura de Ana Júlia na noite de Belém acabou sendo alvo de ataques durante a campanha para governador. Até hoje, Ana Júlia se ressente de adesivos com a frase "Xô, galinha", distribuídos na capital paraense. Depois de vencer nas urnas, para evitar a condenável associação com a ave, ela trocou a residência oficial, a Granja do Icuí, por uma casa alugada pelo governo paraense. Dos imóveis disponíveis para o governador, ela só usa a casa de praia de Salinas. Na Semana Santa, levou para lá seu namorado e 22 assessores – pagando a todos diárias de "trabalho". No início do governo, o séquito oficial incluía até uma dermatologista e uma cabeleireira, que zelavam pelos atrativos que se vêem na foto acima. Ambas foram demitidas por pressão da opinião pública. Mas a governadora ainda se dá ao direito de um luxinho ou outro. Em fevereiro, usou o jato fretado pelo governo para ir a Belo Horizonte assistir à formatura de seu filho. Ana Júlia é mesmo muito, muito família.
Fotos divulgação, Carlos Silva/Ima, Paulo Santos/Interfoto, Octavio Cardoso |