Diálogo entre governo e oposição é um livro aberto, mas em branco
Qualquer conversa é, em princípio, um ato de civilidade. Quando o diálogo se dá entre adversários é mais civilizado ainda. Por enquanto pára por aí, na constatação de que Luiz Inácio da Silva e Tasso Jereissati são muito amáveis e urbanos, a possibilidade de análise a respeito do encontro de quinta-feira à noite no Palácio do Planalto, entre o presidente da República e o presidente do maior partido de oposição ao governo, o PSDB.
O Palácio não explicou qual a razão objetiva do convite. Disse apenas que queria conversar com a oposição, afrouxar o clima de tensão no Senado, 'melhorar o diálogo'.
O senador tucano tampouco esclareceu o motivo da conversa. À entrada disse que aceitara por cortesia. À saída, deu sua receita para se fazer oposição: 'Não é xingar, gritar, ameaçar. É estar contra no momento certo'. Acrescentou - e aí também não contribuiu no sentido de nos aclarar as idéias - que a oposição não vai 'recuar um milímetro' de suas posições.
Primeiro seria necessário saber de quais posições fala o senador. Mas, supondo que o PSDB já as tivesse todas listadas e bem definidas num projeto de atuação partidária, sua disposição de 'não recuar um milímetro' - não ceder em nada, portanto - já jogaria por terra qualquer possibilidade de entendimento.
Mas, como não está posta nenhuma agenda de acordos nem se ouviu das partes a respeito do que mesmo pretendem se entender, fica o dito pelo não dito, o ido pelo não ido e tudo continua na mesma sem que ninguém tenha compromisso com as conseqüências e o significado daquele encontro no Palácio do Planalto.
Se a intenção de governo e oposição foi a de externar civilidade e por isso receber elogios - um por ser o avalista do diálogo e outro por exercitar o ofício oposicionista com fidalguia, diferente do que fazia o PT quando estava do lado de fora do balcão -, ficaram devendo. Ser civilizado, assim como ser honesto, é requisito obrigatório.
É de se lamentar a pobreza de homens e idéias quando o presidente do maior partido de oposição e o presidente da República se reúnem, o encontro produz o lema do 'não xingar, não gritar, não ameaçar' e ainda haja quem se contente com a 'demonstração de respeito à democracia'.
Realmente, estamos nos conformando com pouco.
Ou não foi só isso o que conversaram? Ou houve acordos e compromissos consistentes, entendimentos de alguma natureza? Se houve, claudicaram poderosamente governo e oposição no quesito transparência e espírito público.
Mais que assistir ao minueto publicitário sob o gentil patrocínio da líder do governo no Senado, Roseana Sarney, o País tinha pelo menos o direito de conhecer a agenda de suas excelências. Quais os pontos de convergência e divergência, o que no Brasil necessita de tratativas institucionais entre governo e oposição, qual o rumo vão seguir daqui em diante, o que pretende o governo com essa aproximação, o que imagina fazer a oposição com ela.
Afinal, se o PSDB cobra tanta consistência nos gestos governamentais teria o dever de informar com clareza e detalhamento sobre suas intenções ou, no mínimo, pedir ao presidente uma pauta de assuntos.
A improvisação genérica sobre a cortesia para 'atender aos interesses do País' não quer dizer nada. Inclusive porque não informa sobre os interesses em jogo. Não adianta os dois falarem apenas com os respectivos aliados e deixar que eles espalhem versões sobre as quais não tenham nenhum compromisso e que, a depender da repercussão, possam ser desmentidas.
O correto seria um comunicado oficial anunciando com antecedência a realização do encontro e, depois, o relato a respeito do acontecido. Do modo como foi feito, ficou tudo no ar: um não disse por que chamou, o outro não disse por que foi e nenhum dos dois contou o que se passou.
Acessório
O PSDB impôs duas condições para aceitar o convite de Lula: nada de fotografias ou de reuniões fora do local de trabalho do presidente.
Na semana anterior, Lula havia convidado Jereissati para jantar no Alvorada. O convite foi recusado e remarcado para o Palácio do Planalto.
Mangabeira
O artigo do futuro ministro da secretaria especial de Ações de Longo Prazo, Roberto Mangabeira Unger, escrito em 2005, desancando o governo Lula, já é a obra de alcance mais popular do filósofo.
Mas nunca é demais repetir: 'Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas', escreveu.
Se Lula considera Mangabeira Unger um mentiroso que não merece fé, está sendo irresponsável ao nomeá-lo para cargo de confiança. Mas se dá a ele crédito bastante para atribuir-lhe a tarefa de pensar o Brasil do futuro é sinal de que aceitou como veraz a diatribe.