O Globo |
4/4/2007 |
Não há duas maneiras de enxergar o que aconteceu entre a negociação do governo com os controladores amotinados, sexta-feira, e a orientação dada pessoalmente pelo presidente Lula na manhã de ontem em Brasília. O que aconteceu, em bom português, foi que, depois de ter quebrado a hierarquia militar, desautorizando as ordens de prisão dadas pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, Lula viu que tinha cometido uma temeridade ao tratar uma insubordinação militar como se fosse uma manifestação sindical qualquer, e teve que recuar. Seus aliados podem até ver no recuo uma ação estratégica digna de elogios, mas ele não passa da admissão de que a decisão errada poderia ter conseqüências além do caos nos aeroportos. Pressionado pelos fatos, que lhe foram trazidos pelos três chefes militares, o presidente não apenas fez retornar para a Aeronáutica a negociação da crise, como admitiu que a pena de prisão para os amotinados, de acordo com as leis militares, deveria ser executada no caso de novas insubordinações. E desistiu de promover a desmilitarização de maneira açodada, o que poderia causar mais transtornos. O caso dos primeiros 18 sargentos-controladores amotinados vai ser resolvido pelo Ministério Público Militar, que assumiu a investigação através de um IPM, salvando assim o princípio da hierarquia, que preocupava não apenas a Aeronáutica como as outras duas forças, que também têm sargentos em funções técnicas. Diz-se que o presidente se sentiu traído, mais uma vez, pelos controladores, que teriam esperado ele sair do país para decretar a paralisação do tráfego aéreo. Mas como alegar traição, se há seis meses o país passa por problemas e ninguém no governo foi capaz de esboçar um simples plano para emergências, como a da sexta-feira passada? Esse apagão aéreo, aliás, está se encarregando de destruir reputações de eficiência, como é a da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, considerada a grande entendida em gestão do governo, "gerente" encarregada de montar a infra-estrutura que permitiria ao país crescer 5% no próximo ano. Ela não conseguiu resolver o primeiro sintoma do "apagão logístico", que vinha sendo previsto já há algum tempo. No início da crise, quando estava clara a inapetência do ministro da Defesa, Waldir Pires, para tarefas de governo que exijam mais transpiração do que o simples palavrório, Lula nomeou Dilma para coordenar uma força-tarefa para debelar a crise. Algo parecido com o que, na crise de energia no governo de Fernando Henrique, foi feito com o então chefe da Casa Civil, Pedro Parente, coordenando uma "sala de situação" de onde partiram as orientações para todo o governo. No caso do apagão de 2001, o gerenciamento da crise, diante do fato consumado que, indesculpavelmente, pegou o governo de surpresa, foi um sucesso, embora com as agruras do racionamento. No caso do apagão aéreo, a "sala de situação" da ministra Dilma, aliás uma presidenciável da base governista, não foi capaz de antever a possibilidade dessa greve dos sargentos-controladores, nem deu mostras de ter ferramentas adequadas para superar a crise: não havia nenhuma força-tarefa realmente montada, tanto é que não havia ninguém do governo ligado ao problema em Brasília naquela sexta-feira. A negociação com os controladores, depois que o presidente Lula impediu a prisão dos amotinados, sobrou para quem estava distraído em Brasília naquele fim de semana: o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, acompanhado da secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra. Uma gravação obtida com exclusividade pelo Jornal Nacional, exibida no sábado, mostra como os dois representantes do governo empenharam suas palavras na negociação. Um controlador de vôo: - Há anos que a gente fala. E há anos que falam que vão mudar. E não mudam. O ministro reage: - Espera aí. Vamos conversar direito. A sub da Casa Civil, com linguajar próprio de negociações sindicais, acrescentou: - Nós nunca viemos aqui antes para prometer absolutamente nada para vocês. Então, eu acho que para essa relação ficar qualificada não pode partir dessa premissa. Depois da reunião, os dois assinaram uma nota oficial em que relatavam o sucesso das negociações, na qual se comprometiam, em nome do governo federal, a fazer "a revisão dos atos disciplinares militares, tais como transferências, afastamentos e outros, envolvendo representantes de associações de controladores de tráfego aéreo, ocorridos nos últimos seis meses", e asseguravam que "não serão praticadas punições em decorrência da manifestação ocorrida no dia 30.03.2007." E o que aconteceu ontem? O governo recuou, e junto com ele foi-se a credibilidade dos negociadores, que nunca haviam prometido nada e, portanto, deveriam ser confiáveis. O ministro do Planejamento, depois de dizer que nunca prometera anistia aos insubordinados, classificou a negociação de "situação completamente atípica" e considera que o objetivo de dar fim à greve foi alcançado. E justificou sua promessa descumprida, no mais puro estilo "sindicalista de resultados": "Nas circunstâncias, foi o que pudemos fazer". O recuo do presidente, com a conseqüente desmoralização de seus porta-vozes, foi o melhor para o país ? Foi, e revela uma elogiável capacidade de tentar corrigir erros. Mas é preocupante um governo que age por impulsos, e demonstra não ter capacidade gerencial para evitar crises ou, diante de uma, superá-la sem recuar ou desmoralizar publicamente a palavra empenhada. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, abril 04, 2007
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