O cientista político Nelson Rojas de Carvalho mostra, num estudo sobre as últimas quatro legislaturas, esta inclusive, que praticamente metade da Câmara dos Deputados é eleita por distritos informais. Diferentemente dos preconceitos, esses distritos não são característicos de coronelismo ou de currais eleitorais. Ao contrário, uma boa parte da representação em São Paulo é eleita em redutos eleitorais da área metropolitana de São Paulo e de Santos, inclusive o PT. João Paulo Cunha tem reduto eleitoral em Osasco, Geraldo Alckmin tem Pindamonhangaba como reduto, Mário Covas saía eleito de Santos. Segundo o cientista político Amaury de Souza, é uma idéia velha tentar associar a localidade com o paroquialismo e o coronelismo. “Isso não existe mais, 80% do país são urbanos e um terço das populações vive em regiões metropolitanas”.
Os defensores do voto distrital acusam o sistema proporcional de provocar uma sub-representação enorme das áreas urbanas e metropolitanas.
Os dados de 2007 do estudo de Nelson de Carvalho mostram que, nessa Câmara, tirando Amapá, Roraima e Distrito Federal, onde não há interior, no Brasil apenas 66 deputados se elegeram com a base na capital, o que equivale a 13% da representação, um déficit, portanto, de 10% na representação das capitais, ou menos 49 deputados. O que é mais grave, segundo ele, é que esse déficit é sistemático, mas piorou nessa eleição.
As cem maiores cidades abrigam 20% do eleitorado brasileiro, mas têm uma subrepresentação na Câmara: em 1994, elegeram 45 deputados; em 1998, passaram a 47; e, este ano, elegeram apenas 28 deputados. São só 6% dos representantes. Somando os dois exemplos, Carvalho ressalta que há um déficit de representação de cerca de cem deputados das áreas urbanas que deveriam estar na Câmara.
No sistema atual, essas áreas servem como “colcha de retalhos”, ou seja, representam esquema complementar de máquinas eleitorais que partem de um interior com apoio fechado e colhem votos de maneira predatória nas áreas urbanas, diluindo seus votos e impedindo que sejam bem representadas.
“O voto distrital produziria uma representação melhor do eleitorado urbano, que são as áreas com representação política mais avançada”, comenta Nelson de Carvalho.
Na visão de Amaury de Souza, os eleitores das grandes cidades têm os seus votos esterilizados, porque votam em candidatos que não são eleitos, “e aí sim estamos dando força para as verdadeiras forças paroquiais do país, que são os pequenos estados do norte, os estados recém-criados”. Numa definição do que temos que buscar com o voto distrital, Amaury de Souza diz que “precisamos de mais representação e menos representatividade”.
Com isso quer dizer que não adianta ter 21 partidos na Câmara, se não temos 21 correntes de opinião no país.
Ele lembra que a idéia que está por trás do voto proporcional é a fantasia de que esteja representado na Câmara o mapa da sociedade, com todas as correntes, como um mapa geográfico representa todos os acidentes geográficos de um território.
“O Congresso é a cara do Brasil, dizem seus defensores.
Mas não é. E se o Brasil quiser imprimir ao Congresso uma outra cara, ele não tem como, porque isso significaria ter mais representação, uma relação intensa entre o eleito e o eleitor”, comenta Amaury de Souza.
Pelo projeto, a implantação do voto distrital majoritário começaria nas eleições de vereadores de 2008, nas 75 cidades que têm segundo turno, isto é, têm mais de 200 mil eleitores, a grande maioria nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. E depois a implantação gradativa para 2010 nas Assembléias Legislativas, e 2014 para a Câmara dos Deputados.
Como delimitar distritos eleitorais é a pergunta básica.
O projeto parte do princípio de que é impossível defender o voto distrital junto à população sem mostrar como ficarão os distritos. Há um consenso de que a representação na Câmara dos Deputados é brutalmente distorcida em favor dos estados menos populosos, que têm assegurado um mínimo de oito deputados. São Paulo tem um teto de 70 deputados, o que distorce a distribuição populacional.
Se se adota o princípio de um homem, um voto, a definição dos distritos sai de uma simples divisão do eleitorado pelo número de deputados.
Isso significaria que a representação de São Paulo aumentaria 44 cadeiras, e alguns estados perderiam, como os mais recentes: Amapá e Roraima perderiam sete deputados cada um, e Acre perderia seis deputados.
Rondônia e Tocantins perdem quatro deputados cada um. Sergipe, Rio de Janeiro, Paraíba, Piauí, Maranhão, Goiás e Mato Grosso do Sul e Bahia perdem dois cada um.
Perdem um cada um Alagoas, Amazonas, Pernambuco, Distrito Federal e Paraná. Não perdem absolutamente nada Pará, Mato Grosso, Espírito Santo e Ceará. Ganham um deputado: Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Minas Gerais ganha 3 deputados.
Se prevalecer a chamada “justiça federativa”, o distrito eleitoral em São Paulo passaria a ter 400 mil eleitores, e no Amapá, 30 mil. Amaury de Souza pergunta: somos uma democracia em que cada brasileiro tem um voto de igual peso, ou somos uma democracia em que os estados menores são protegidos em nome da Federação? O que prevalece, a democracia ou a Federação? Mesmo que, do ponto de vista formal, essa divisão onde cada eleitor vale um voto, valorizando os maiores estados, pareça ser a mais correta, politicamente é inviável imaginar aprovar no Congresso uma alteração dessas.
O voto distrital majoritário pode até vir a ser aprovado, embora hoje o mais provável é que o distrital misto, onde uma parte continua sendo eleita pelo voto proporcional, tenha o apoio da maioria.
Mas a chamada “justiça federativa”, dificilmente deixará de prevalecer.
Entrevista:O Estado inteligente
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