Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 01, 2007

LUIZ FELIPE LAMPREIA A nossa recusa não é mais sustentável

As queimadas na Amazônia provocam danos consideráveis à biosfera


Não há desafio maior em nossa época globalizada do que o provocado pelas mudanças climáticas. Existe hoje, como se viu nas recentes publicações de estudos da maior seriedade, um consenso entre os melhores cientistas internacionais a respeito da aceleração do aquecimento global por causa do aumento pronunciado dos gases que provocam o efeito estufa e das conseqüências devastadoras que podem daí decorrer, se o processo não for freado. No mundo inteiro, a imensa maioria das pessoas tem alguma consciência e, freqüentemente, certa observação própria do fenômeno.

Ao contrário da época em que me formei, existe uma ampla percepção da fragilidade do meio ambiente e da necessidade de respeitálo e de preservá-lo. Os céticos sobre os efeitos das mudanças climáticas já quase cabem numa van.

Sendo assim, ninguém deveria deixar de fazer sua parte para reverter um quadro que ameaça nosso planeta e a herança que ficará para nossos filhos e netos.

Com a pressão das sociedades civis, cresce a atenção e a atividade dos políticos nesse terreno. Houve uma reviravolta nos Estados Unidos e a sensibilidade vai ao ponto de ter sido dado ao presidente Bush o pesado apelido de “texano tóxico”, por sua rejeição ao acordo de Quioto e suas ligações com as empresas petrolíferas.

A Europa acaba de decidir, na Cúpula de Berlim, tomar a liderança, ao menos pelo exemplo, adotando uma política bastante forte em matéria de cortes de emissões de CO². Ouvi muito recentemente de um influente cidadão chinês com acesso às lideranças de seu país que houve uma evolução considerável na posição do governo da China, que também já apresenta disposição de adotar medidas de limitação das emissões de gases estufa e aceitar disciplinas internacionais.

Está, pois, formandose uma equação totalmente diferente da que se produziu em Quioto, quando as percepções do perigo eram mais tênues e, conseqüentemente, os resultados foram bastante tíbios. Ora, os próprios dispositivos desse acordo perdem vigência em 2012 e não há nele qualquer previsão para o futuro.

É com essa combinação de fatores que estamos às portas de uma nova negociação muito mais complexa, porque deverá produzir um novo pacto com obrigações e disciplinas taxativas, e fortes impactos sobre as economias dos países membros.

Acordos multilaterais são sempre difíceis de alcançar e normalmente tendem a um mínimo denominador comum que é mais fraco do que o desejável para atingir os fins propostos. Para combater os efeitos mais severos do aquecimento global, alguns requisitos serão necessários: 1. uma massa crítica elevada de países comprometidos, incluindo uma maioria representativa dos países que têm maiores responsabilidades pelas emissões de CO²; 2. o assunto precisa continuar a estar no topo da agenda pública para que haja uma pressão considerável sobre os líderes políticos para aceitar compromissos e não vacilar frente a grupos de interesses especiais conflitantes.

3. as negociações precisam ser conduzidas com vigor por lideranças comprometidas com resultados efetivos.

Existem muitas dúvidas sobre a obtenção desta combinação de fatores.

Por exemplo: – o novo presidente dos Estados Unidos a ser eleito em fins de 2008 estará realmente pronto a assumir suas responsabilidades na área ambiental como líder de um país que responde por 25% das emissões de gases estufa? Ou estará mais preocupado com uma crise no Iraque ainda pior do que a atual ou com uma convulsão nos mercados financeiros globais? — a liderança européia não é suficiente para conduzir a negociação a bom porto, mesmo porque entre os 27 países da União Européia (terceiro maior emissor de gases estufa) há grandes divergências sobre os métodos a adotar para implementar as metas já fixadas de redução das emissões? — a China, segundo maior responsável por emissões com 15% do total, e, provavelmente, o no1 em 2010, estará realmente disposta a adotar medidas que terão inevitável impacto negativo sobre seu crescimento econômico? Em que condições poderia fazêlo? Aceitará limitar suas emissões se os Estados Unidos mais uma vez ficarem de fora do novo acordo? — a Rússia e a Índia, que são o 5oe o 6omaior poluidor com 6% cada, decidirão se unir ao acordo pós-Quioto? E o Brasil? Nosso país é o oitavo maior emissor de gases CO² com 3%.

Somos um país emergente que não está obrigado a cortar suas emissões conforme as normas de Quioto, mas que tem grande importância no cenário global tanto por sua influência nos países em desenvolvimento, quanto pela enorme extensão de nossas florestas.

Temos excelentes credenciais porque grande parte de nossa energia elétrica é gerada por hidrelétricas não-poluentes e porque fomos pioneiros na utilização de energia de biomassa, com o Pró-Alcool. Mas convém recordar que as emissões decorrentes das queimadas de florestas na Amazônia provocam danos consideráveis à biosfera. Aí está nosso calcanhar-de-aquiles.

Creio que o Brasil precisa evoluir em sua posição e aceitar compromissos internacionais de limitações de emissões de gases estufa. Digo isso com a autoridade de quem era ministro das Relações Exteriores durante a negociação de Quioto e lutou para que os países em desenvolvimento não recebessem o mesmo tratamento que os países mais ricos que começaram a poluir a atmosfera há duzentos anos, com a Revolução Industrial.

Hoje nossa recusa não é mais sustentável, pois os perigos das mudanças climáticas são globais e das suas conseqüências estão claramente identificada.

Deles ninguém está a salvo. É óbvio que deveremos batalhar por metas menores de redução das emissões e por incentivos internacionais para reduzir o desmatamento e incentivar tecnologias de baixo carbono no Brasil e nos países emergentes mais poluidores em geral.

Mas não podemos ser irredutíveis, deixando de fazer nossa parte para reverter tendências deletérias pelas quais temos também alguma responsabilidade.

O Brasil não se pode isolar neste combate vital pelo futuro do planeta.

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