De quanto é a renda total dos brasileiros? Se essa pergunta for feita à PNAD, ela diria, em 2003, que era de R$ 830 bilhões. Mas, no mesmo ano, a Pesquisa de Orçamento Familiar encontrou um número 26% maior. Se a mesma pergunta for feita às Contas Nacionais, a resposta seria R$ 1.052 bilhões. Ao todo, entre a primeira e a última, a diferença é de R$ 222 bilhões de renda não medida. Como é possível?
Com tanta diferença entre pesquisas que supostamente analisam a mesma coisa, será que a desigualdade de renda está subestimada? O capítulo 7 do livro do Ipea sobre desigualdade apresenta exatamente essa análise comparativa entre Pnad, POF e Contas Nacionais. Ricardo Paes de Barros, Samir Cury e Gabriel Ulyssea fizeram as comparações.
A Pnad é uma pesquisa domiciliar que busca vários dados sobre as famílias.
Visita anualmente 100 mil famílias. A Pesquisa de Orçamento Familiar é mais específica sobre consumo, gasto, renda, mas também é nacional. Já o Sistema de Contas Nacionais é a consolidação do produto, da renda, da despesa de um ano.
Os autores afirmam que a POF tem maior capacidade de captar a renda das famílias.
Mas a distância entre as pesquisas é realmente grande. Só em renda de ativos, na POF, são R$ 44 bilhões a mais, mas esse não é o maior fator da diferença.
“O primeiro e mais importante desses fatores é a renda do trabalho, que é responsável por quase 2/3 do hiato de renda entre as duas pesquisas”, dizem eles. E não por causa do trabalho informal. A Pnad registra somente as rendas habitualmente recebidas; já a POF inclui tudo: auxílio-refeição, auxíliotransporte, 13 osal ári o, adicional de férias, horas extras, participação nos lucros, indenizações trabalhistas.
Só o 13oe o abono de férias já justificam 10% entre a renda calculada por uma e por outra pesquisa.
Outra diferença vem da “renda dos ativos”. Aí entram aluguéis, juros e dividendos, e até o aluguel imputado aos que moram em casa própria. Segundo o estudo, ele é mais bem captado na POF.
Há outra diferença, de R$ 40 bilhões, no item “transferências”.
As transferências esporádicas, como “seguro desemprego”, não são registradas pela Pnad. Mas, até no item pensões e aposentadorias, que não deveria haver dúvida, o dado da POF é R$ 10 bilhões maior, o que o estudo considera surpreendente.
“Esse resultado sugere que pelo menos parte de outros benefícios previdenciários e assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) é captada de forma incorreta na Pnad.” — Uma coisa a dizer a favor da Pnad é que, em todo o mundo, quando se calcula distribuição de renda, é com uma pesquisa familiar exatamente como a Pnad. A segunda coisa a dizer é que sempre se pode melhorar a qualidade das estatísticas. A terceira é que os estudos mostram que há subestimação da renda tanto entre os pobres (mais nas rendas não monetárias), quanto entre os ricos (mais no rendimento dos ativos, em juros e dividendos). Quando a gente calcula tudo, a diferença da desigualdade entre as duas medidas é muito pequena — explicou o economista Ricardo Paes de Barros.
O estudo mostra que, nas faixas de renda média, há pouca subestimação, e que a maior subestimação ocorre nos 10% mais pobres.
Para efeito de estudar desigualdade, o resultado tranqüiliza, ou seja, a desigualdade é sempre a mesma, ou quase, em qualquer pesquisa, mas a grande questão é: o Brasil superestima o tamanho da sua pobreza? Essa sempre foi uma questão não res o l v i d a .
— Esse é um ponto importante que foi muito discutido quando estávamos fazendo o estudo, principalmente porque era a principal preocupação de Samir Cury: a Pnad está superestimando a pobreza no Brasil? O tamanho da pobreza na POF e na Pnad são diferentes.
Na região Norte, por exemplo, quem produz para a subsistência entra na Pnad com renda zero. Isso significa que o resultado pode ser até mais favorável — disse Paes de Barros.
Como o objetivo do livro era estudar a desigualdade, o foco ficou nesse ponto. Mas é fundamental aprofundar os estudos sobre o tamanho da pobreza usando outras medidas, como a POF, por exemplo.
Há vários outros pontos em questão como: se as transferências do governo forem feitas com focalização nos mais pobres, a desigualdade pode ser menor; mas se, como tudo indica, a maior parte desses gastos for com os nãopobres, ela pode ser m a i o r.
Tudo está em questão, na verdade. E mais: os novos dados do PIB obrigarão os especialistas a refazer as contas. Mas, qualquer que seja o tamanho do PIB, a dúvida continua: pesquisas diferentes têm encontrado dados muito diversos para as rendas das famílias brasileiras.
Para se ter uma idéia da confusão, o Sistema de Contas Nacionais, que deveria ser o mais amplo, tem um número menor de ocupados que a Pnad. Mais precisamente: 10,3 milhões de empregados a menos.
Tanto que, apesar de nas Contas Nacionais o total das rendas das famílias ser 27% maior que na Pnad, o item “renda do trabalho” é 16% menor que na Pnad, e 32% menor que na POF. “Fica claro que o SCN não captura de forma adequada nem o número de pessoas ocupadas, nem o rendimento médio, levando a uma subestimação da participação da renda do trabalho na renda total das famílias”, diz o texto.
Entrevista:O Estado inteligente
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