Artigo - José Pastore |
O Estado de S. Paulo |
17/4/2007 |
A frase não é minha. É do meu amigo Thomas Skidmore, grande conhecedor da história do Brasil, dita no ano passado para antecipar a vitória de Lula. É uma fórmula infalível. Foi usada por Getúlio Vargas para agradar aos rentistas e assistir os desprotegidos: 20 anos no poder. A pesquisa CNT/Sensus indicou um surpreendente crescimento da popularidade do presidente Lula em meio a problemas que se agravam. No seu primeiro mandato, a educação piorou (veja a avaliação dos alunos); a saúde se agravou (interne-se em um hospital do SUS); as invasões se alastraram (destruíram até laboratórios de pesquisa); a insegurança se generalizou (vivemos em estado de guerra); as greves no setor público feriram os desprotegidos (pobre de quem precisou do INSS); a informalidade continuou altíssima (quase 60% dos brasileiros não têm proteções); o desemprego aumentou (atingiu a marca dos 10%); a polícia ficou impotente (policiais têm de sair às ruas sem farda para não serem assaltados); os marcos regulatórios estão cada vez mais confusos (observe a fragilização das agências reguladoras) - sem falar nos asfixiantes problemas de infra-estrutura. Apesar de tudo, Lula é querido por quase dois terços dos brasileiros. Em contrapartida, os membros do Congresso Nacional são repudiados por 99% dos cidadãos - muitos deles merecedores desse julgamento. O desprezo pelas instituições não se limita ao Poder Legislativo. Vai mais longe e tem raízes culturais. Entre um bom herói e uma boa instituição, o brasileiro (maioria) fica com o primeiro. Instituição é um ente abstrato, estratosférico, coisa secundária. O que interessa é quem faz o que deve ser feito, independentemente dos meios. Um discurso emocionante toca o coração, convence e alimenta a esperança. Outros povos agiram assim no passado, mas se arrependeram. Nós, em pleno século 21, mantemos uma fé inabalável no velho populismo. Valorizamos mais o carisma do que a regra. Acreditamos nas personalidades fortes, mesmo quando passam por cima dos princípios democráticos. Assim foi com Getúlio Vargas, Jânio Quadros, João Goulart, os militares e Fernando Collor. Mas é preciso reconhecer que o carisma de Lula se apóia em expedientes assistenciais eficientes, como o Bolsa-Família, o empreguismo dos companheiros, o belo aumento do salário mínimo e os respectivos reflexos nas aposentadorias e pensões. Essa colossal transferência de renda do Estado para os indivíduos vem alavancando o consumo interno e satisfazendo dezenas de milhões de pessoas que vivem no meio da mais brutal desigualdade, em que os 10% mais ricos ficam com 40% da renda e os 10% mais pobres, com apenas 1%! As promessas de aumentar o valor do Bolsa-Família e ampliar a sua cobertura, assim como as de expandir outros programas assistenciais, potencializam ainda mais a adesão ao herói, blindando-o contra todo e qualquer desmando. 'Pizza por pizza, fico com quem me ajuda', disse um leitor do Estado na última quinta-feira. Frase lapidar, pragmática e de quem está mais preocupado com o estômago do que com as instituições que se deterioram a cada dia - família, escola, polícia, Justiça, Forças Armadas e Congresso Nacional. As reformas estruturais, que redundariam na melhoria das instituições, são puro objeto de discursos. Elas não dão voto, quando comparadas à poderosa força eleitoral dos programas assistenciais. Lula sabe que a confiança do povo é essencial para um longo projeto de poder. Certa feita, o príncipe perguntou a Confúcio: 'Como fazer um bom governo?' Confúcio respondeu: 'É preciso dispor de armamento, alimento e confiança.' O príncipe indagou: 'E se o governante não dispuser dos três?' 'Que abra mão do armamento', ensinou Confúcio. 'E se não tiver os outros dois?' 'Que abra mão do alimento, pois nenhum governante consegue governar sem a confiança de seu povo.' A questão é a seguinte: é possível 'comprar' a confiança do povo e alegrar a vida dos rentistas indefinidamente? Penso que não. Os recursos públicos só aparecem quando o país cresce, gera empregos, educa bem e respeita os direitos dos cidadãos. O que devemos dizer a nossos filhos e netos que não arranjam emprego e se desanimam a cada dia? No momento, só nos resta recomendar um pouco de paciência até que a história venha a provar mais uma vez que discursos não garantem progresso.
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Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 17, 2007
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