Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 17, 2007

Cientistas políticos e os militares



Artigo - Jarbas Passarinho
O Estado de S. Paulo
17/4/2007

A greve ilegal dos controladores de vôo deu margem a análises que, não raro, não escondem o ranço ideológico a misturar mera opinião com o estudo acadêmico, necessariamente isento. De uma deputada que se sabe marxista-leninista veio a frase mais direta e incongruente. Disse que a greve é um direito e não pode ser cerceada, fazendo tábula rasa da Constituição, que nega esse direito aos militares. A incongruência deriva da filiação a uma ideologia que no século 19 era muito clara ao proclamar que a burguesia era a “fonte de todos os vícios e maldades”, assim definida por Marx, e a propriedade privada, “um roubo”, como a entendia Proudhon. No entanto, o direito à greve é uma das “maldades” da democracia burguesa, conquista dos trabalhadores entre as várias que humanizaram o capitalismo liberal. E, nos regimes da ditadura do proletariado (em verdade, ditadura da “nova classe” do Partido Comunista), que ideologicamente é sua preferência, a greve não é permitida. A deputada é culta e nos lembra Les Femmes Savantes, de Molière, um pouco pedantes.

Dois cientistas políticos, Leôncio Martins Rodrigues e Jorge Zaverucha - este especializado em assuntos militares -, permitem a comparação da ciência política à ciência e opinião. Leôncio, que conheço e admiro, baseia-se com isenção em fatos. Não bajula a caserna nem é acrimonioso nas respostas ao entrevistador, mas acha que “a crise dos controladores de vôo trouxe os militares de volta ao palco político”. Ouso discordar, pois o próprio Leôncio reconhece que o caso atual “não pode ser comparado com a revolta dos sargentos e fuzileiros navais que antecedeu a queda de João Goulart”. O que os militares não podem aceitar é a quebra da disciplina e a afronta à hierarquia. A intervenção de civis sindicalistas dentro do quartel para “negociar” com os grevistas contraria irreparavelmente os regulamentos militares.Jorge Zaverucha, contudo, não pôde conter a sua ojeriza ao estamento militar, em sua entrevista ao Estado de S. Paulo: “Os militares consideram-se fiadores da Nova República. Concordam com o restabelecimento da democracia eleitoral, desde que seus enclaves autoritários sejam mantidos.”

Além da novidade de “democracia eleitoral”, a citação démodé à Nova República me faz lembrar que o paciente e experiente político José Sarney disse ter convivido com mais de duas mil greves, em parte responsáveis pela inflação que ultrapassou 1.700% ao ano. Os “enclaves autoritários” são uma infeliz interpretação dos regulamentos disciplinares e do direito de defesa do militar, quer das punições por transgressões, pelo pedido de reconsideração, quer nas auditorias, em caso de crime, defendidos no processo regular pelos advogados. O cientista se rebela contra o papel das Forças Armadas, que a Constituição consagra. Quer-nas “nas fronteiras” e a defender a soberania nacional. Às polícias militares caberia a ordem interna. Ou seja, o Exército, nas fronteiras terrestres; a Marinha, a duzentas milhas da costa; e a Aeronáutica, a 10 mil metros de altitude, patrulhando o espaço aéreo, para garantir a soberania nacional; e proibidos todos de defender o Estado contra insurreições armadas. Fora assim, seria ideal para revolucionários.A cruenta revolta comunista de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes - que só no Recife causou a morte de centenas de militares -, a insurreição dos sargentos da Aeronáutica e da Marinha de Guerra em julho de 1963, em Brasília, e a dos integralistas em 1938 teriam vencido as polícias militares, menos armadas e adestradas para a guerra, pois são treinadas para a preservação da ordem pública.

Diz o cientista que os militares reclamam dos salários e dos investimentos na Pasta, “mas seu orçamento é o terceiro da União”. Desconhece que o Brasil é, na América Latina, o país que tem a menor despesa per capita com suas Forças Armadas. Especialista em assuntos militares, não parece saber que um general, com 50 anos de serviço e todos os cursos de pós-graduação, ganha o mesmo que um jovem bacharel em Direito que inicia a carreira de delegado de polícia civil. Quanto ao investimento, o cientista lembra o conceito civilista, que entende ser a força armada “um peso nos encargos da União”. Atribui a Fernando Henrique a vileza de criar um Ministério da Defesa “para inglês ver”, destituído o ministro de prerrogativas de mando. Confunde com ministro pro forma aquele a quem falta qualificação específica para o exercício de um Ministério da Defesa, como foi o caso do diplomata José Viegas, que do metiê castrense só conhecia o que, embaixador do Brasil, em Cuba, lhe permitia Fidel conhecer, e isso mesmo pela aproximação do pensamento ideológico. Ainda assim, nunca lhe faltaram as provas de subordinação desde oficiais generais ao mais simples soldado. Tomou, entretanto, subordinação como subserviência de guarda pretoriana. Confunde, o cientista, a incapacitação de ministro que nada entende dos regulamentos militares e do papel das Forças Armadas com alguém maquiavelicamente alçado à condição de ministro para fingir que o é. Finalmente, o cientista se permite uma ofensa generalizada aos militares e aos civis : “Na área militar a democracia não entra, seria mexer com vara curta, e os civis não querem isso.” Nega fidelidade à democracia e aos militares, que por três vezes impediram os comunistas de dominar o Brasil e ajudaram a vencer nazistas e fascistas na Itália. Considera-se o único civil altivo.

Dizia Norberto Bobbio que “ciência política tem significado oposto à opinião e não deve basear-se em dados imprecisos, mas nas provas dos fatos”. Li a entrevista do cientista político Jorge Zaverucha como simples opinião.

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