O Globo |
23/1/2007 |
Uma notícia no período de festas de fim de ano passou despercebida no turbilhão das posses e das preocupações de todos nós com os rumos do governo que se instalou no dia 1º de janeiro. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, anunciou que se privará de três meses de salário como autopunição, após seu governo ter admitido que dirigentes políticos pagaram a pessoas para fazerem-lhes perguntas previamente acertadas em reuniões de debates públicos. O governo japonês organizou, desde 2001, 174 reuniões públicas nas quais os cidadãos puderam fazer perguntas a seus dirigentes políticos. Diversos altos funcionários confessaram recentemente que vários espectadores haviam sido previamente pagos para que fizessem perguntas, a fim de que pudessem dar "boas respostas". "Castigaremos aqueles que estiverem diretamente implicados nessa questão e de minha parte, enquanto secretário-geral do governo à época e atualmente primeiro-ministro, quero punir-me com a privação de meu salário por três meses", disse ele aos jornalistas. Ao assumir o poder, Abe anunciara que reduziria seu salário em 30% e o de seus ministros em 10%, como exemplo de austeridade. A notícia de ações como essas soam no Brasil como coisas de livro de ficção ou, no mínimo, anacrônicas se vistas à luz do que ocorre no (sub)mundo político brasileiro. Não passa pela cabeça de ninguém imaginar que um governante tupiniquim possa se autopunir por um deslize cometido por um subordinado ou reduzir o seu próprio salário. Isto seria visto como ingenuidade ou burrice. No Brasil, a sociedade como um todo ainda está muito longe de participar e de influir no cotidiano das ações públicas. Estamos acostumados a aceitar como natural atitudes, comportamentos e práticas que ignoram o usuário, o consumidor e, em ultima análise, o eleitor. Por que essa generalizada pasmaceira - palavra reintroduzida com propriedade no vocabulário político pelo governador José Serra? Por que a sociedade não reage a tantos exageros e desmandos com a coisa pública, em todos os níveis e em todos os poderes? Para entender essa situação, entre outras explicações, parece-me que uma das mais fortes é a pouca afirmação do conceito de cidadania na sociedade brasileira. A grande maioria dos brasileiros não está consciente de que tem direitos que podem e devem ser defendidos. Desde os mais simples, como ser atendido rapidamente pelos hospitais da Previdência Social e não ficar horas em longas filas esperando o transporte coletivo ou nas situações mais complexas como o de ser defendido contra a violência urbana e de ser poupado da desfaçatez da mentira nas CPIs e do cinismo das conclusões dos inquéritos policiais sobre mazelas e corrupção. A cidadania se exerce através de ações afirmativas de cada cidadão em defesa dos seus interesses e os da comunidade. No Brasil, o eleitor, consumidor ou usuário não se sente parte do problema, nem parte da solução. Há um distanciamento que se traduz na ausência da efetiva solicitação de explicações dos representantes e dos prestadores de serviço. O consumidor apenas ensaia os primeiros passos para uma efetiva defesa de seus interesses. Nos países de cultura anglo-saxã, o engajamento da comunidade se dá porque existe accountability. No Brasil e em muitos outros países não existe esse conceito e nem sequer uma palavra para traduzir accountability, termo que significa "prestação de contas" à comunidade. A Lei de Responsabilidade Fiscal talvez seja o primeiro exemplo de accountability no serviço público brasileiro. O governador que sai tem de prestar contas e pode ser responsabilizado pelo estado das finanças do estado. A tomada de consciência da cidadania é um processo lento e não automático. Por aqui, a reação popular ao aumento dos impostos quando se discutiu a MP 232 e agora o clamor contra o aumento dos salários dos senadores e deputados são sinais de que a cidadania começa a tomar consciência de seus direitos e de que pode participar e influir. Só quando essa consciência estiver firmemente implantada vamos considerar normal que um governante por iniciativa própria corte seu salário ou que puna seu subordinado por falhas, mesmo menores. Enquanto isso não ocorre, essas atitudes continuarão a ser vistas apenas como excêntricas e distantes da nossa realidade. Basta da lei de Gerson. Que o exemplo do primeiro-ministro do Japão nos inspire a exigir, cada vez mais, respeito pelos nossos direitos de cidadãos. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
terça-feira, janeiro 23, 2007
A força da cidadania - RUBENS BARBOSA
Arquivo do blog
-
▼
2007
(5161)
-
▼
janeiro
(447)
- Diálogos & dialéticas Roberto DaMatta
- FERNANDO RODRIGUES Lula 2.0
- CLÓVIS ROSSI Fim da história, de novo?
- Míriam Leitão - Destravar usinas
- Merval Pereira - Milho para as galinhas
- Dora Kramer - Vitória pírrica
- AUGUSTO NUNES O dinheiro foi para o buraco
- Opinião: A anistia que não deu certo Jarbas Passar...
- Dora Kramer - Conflito permanente
- Os crediários de Lula 1 - Vinícius Torres Freire
- O mundo começou e acabará sem o homem- Gilberto Dupas
- Médicos em emergência
- Clóvis Rossi - O fantasma do cassino
- Decisão temerosa- Ives Gandra da Silva Martins
- Jogo de palavras
- Luiz Garcia - Só para os outros
- Merval Pereira - Vitória política
- Míriam Leitão - Não adianta negar
- De novo, Angra 3 LAURA CAPRIGLIONE
- LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Globalização comercial...
- FERNANDO RODRIGUES Razão e acomodação
- O contribuinte que se prepare
- Nivelando por baixo- Marcelo de Paiva Abreu
- Nem vai nem racha- Fernando de Barros e Silva
- Decadência sem elegância- Mário Magalhães
- Aliança perigosa
- A tentação chavista - Fábio Ulhoa Coelho
- PAC não ataca questão fiscal, diz Pastore
- Entrevista // Yeda Crusius
- LULA PERSEGUE NOVA REELEIÇÃO: AS PROVAS por Paulo ...
- AUGUSTO NUNES A CAPITULAÇÃO DOS FLAGELADOS
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS JB
- FERREIRA GULLAR Pânico no jardim
- JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN Lula 2 x Lula 1
- PLÍNIO FRAGA Afeto que se encerra
- VALDO CRUZ Em nome de quem?
- CLÓVIS ROSSI -Moisés e as reformas
- MIRIAN LEITÂO Dois pontos
- MERVAL PEREIRA Reformas necessárias
- A 'quarentena' remunerada
- A agonia do Fórum Social Mundial
- As águas de Tom Jobim Daniel Piza
- Alberto Tamer Relançar Doha é conversa fiada
- Mailson da Nóbrega O Mercosul de Lula e a União E...
- Mailson da Nóbrega O Mercosul de Lula e a União E...
- O PAC esqueceu os excluídos Suely Caldas
- Dora Kramer Campeões morais
- Gaudêncio Torquato Um eterno recomeço
- Paulo Renato Souza Semana decisiva para o Brasil
- FERNANDO RODRIGUES Universo paralelo
- CLÓVIS ROSSI As duas cruzadas
- Fugindo das bolas divididas Jorge J. Okubaro
- Tema descabido
- DORA KRAMER Sem reforma, sem mais nada
- Miriam Leitão Fios desencapados
- MERVAL PEREIRA -Falsa questão
- VEJA Carta ao leitor
- MILLÔR
- Diogo Mainardi
- Roberto Pompeu de Toledo
- Lya Luft
- VEJA Entrevista: Delfim Netto
- Pesquisa VEJA/Ibope: os políticos no fundo do poço
- Controladores de vôo planejam novo caos aéreo
- Os tucanos tentam livrar o estado da calamidade
- As fraudes com as urnas eletrônicas
- Pacote não melhora a economia
- Líbano Hezbollah empurra o país para a guerra civil
- Israel O presidente é acusado de assédio e estupro
- Venezuela Chávez rasga jornal brasileiro e é apl...
- Bolívia Uma Marinha fora d'água
- Ecstasy atrai jovens da classe média para o tráfico
- Clint Eastwood, o maior ícone vivo do cinema
- Winston Churchill, de Stuart Ball
- Um déficit da Previdência caiu Vinícius Torres Freire
- PT anuncia "reflexão" mas mantém tudo como antes
- O crescimento da economia- Luiz Carlos Mendonça de...
- Infeliz aniversário- Barbara Gancia
- Justiça para todos - Nelson Motta
- Economia mundial ajudou o Brasil
- Corrida pelo álcool
- Ai dos vencidos!- Aldo Pereira
- Clóvis Rossi - Onde é mesmo a selva?
- Dora Kramer - Saída (quase) à francesa
- Luiz Garcia - Saindo e não voltando
- Merval Pereira - Sem competitividade
- Míriam Leitão - Até que ponto?
- Valdo Cruz - Independência, jamais
- Serra e os juros: "O Brasil precisa redescobrir o ...
- VINICIUS TORRES FREIRE Riso e ranger de dentes pós...
- PLÍNIO FRAGA Postar é...
- To PIB or not to PIB MELCHIADES FILHO
- CLÓVIS ROSSI Não é ainda caso de suicídio
- Roberto Macedo PAC - micro sem macro
- Alberto Tamer Com ou sem o PAC o mundo é belo
- DORA KRAMER Um barco a vagar
- Cora Ronai Brasil, o país mais caro do mundo
- Miriam Leitão Erros nada originais
- DEMÉTRIO MAGNOLI Sindicato de deputados
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os vinhos no Chile
-
▼
janeiro
(447)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA