Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Dora Kramer - É difícil, mas não é impossível



O Estado de S. Paulo
24/1/2007

Congresso fraco, presidente forte e dono de maioria parlamentar, uma oposição numericamente reduzida e politicamente desarticulada podem ser o esboço da receita para Luiz Inácio da Silva tentar uma manobra radical: a conquista de um terceiro mandato.

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, em entrevista ao Estado, destacou essa possibilidade como uma das conseqüências políticas contidas na estratégia de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento.

Na visão dele, uma proposta sobre a qual Lula poderia vir a trabalhar mais à frente, diante da inexistência de candidatura petista eleitoralmente competitiva.

Pondera o professor, convidando eleitores e analistas a pensar “com seriedade” sobre o tema: “Não é fácil acreditar que, dispondo de, digamos, uma aprovação de 60% ou 65% no seu último ano, e tendo uma quantidade tão grande de subordinados na máquina petista e aliada, ele (Lula) mande parar as campanhas em favor de sua permanência. Há ainda o discurso dos movimentos populares e sindicais, de que se ele sair o neoliberalismo volta e estraga todo o progresso obtido.”

É uma hipótese de difícil execução, mas não impossível de ser posta em prática. Quem diria, por exemplo, em dezembro de 2005, cheio de escândalos, com seu partido politicamente bombardeado, sem realizações significativas e consistentes para justificar um segundo período, que Lula não só seria reeleito como o faria com votação superior à de 2002?

Condições políticas são construídas desde que haja disposição e empenho para a execução do projeto em pauta. A pergunta óbvia - sobre a disposição do presidente de levar uma proposta dessas em frente - não poderá ser respondida a não ser mais adiante, pois ainda que alimente a idéia, Lula não assumiria agora. Está, como se dizia na velha esquerda, na fase de acumulação de forças.

O artífice da reeleição, Fernando Henrique Cardoso, cujo plano de mudar a Constituição começou a ser equacionado já em janeiro de 1995, logo após a posse, demorou a admitir o projeto que resultou na aprovação da emenda constitucional dois anos depois.

A ironia da história agora reside exatamente na hipótese - aventada pelo próprio FH em conversas sobre os rumos de seu partido, o PSDB - de a brecha para o terceiro mandato se abrir a partir da idéia de acabar com a reeleição, defendida com afinco pelos tucanos, com apoio do PFL, do PMDB e, ao menos até segunda ordem, do PT que sempre foi contra a reeleição.

Ele alerta para o seguinte: extinta a reeleição, Lula poderia argumentar que o jogo estaria zerado do ponto de vista das regras pelas quais foi eleito. Portanto, sob as novas normas, ele teria condições legais de concorrer tanto quanto qualquer outro brasileiro maior de idade, de posse de seus direitos políticos e dono de prerrogativas político-partidárias para tal.

A questão é polêmica. Mesmo se aprovada pelo Congresso, certamente seria contestada no Supremo Tribunal Federal, ao qual cabe dirimir dúvidas constitucionais. Mas está longe de ser um assunto vencido, de impossibilidade líquida e certa.

Quanto ao argumento de que Lula não poderia se beneficiar da possível mudança da lei porque não seria legítimo se beneficiar de alterações resultantes de uma maioria parlamentar obtida a partir do exercício da Presidência da República, a oposição não poderia utilizá-lo sem incorrer em monumental incoerência.

Afinal, em 1997 foi exatamente o que fez o governo Fernando Henrique: a bordo da maioria congressual, alterou as regras com o jogo em andamento. Como madeira que bate em Chico bate em Francisco, não será surpreendente se tucanos e pefelistas voltarem de súbito à condição de defensores da reeleição desde a tenra idade.

Antes tarde

Uma semana antes e 50 dias de campanha depois, o candidato do PT à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia, finalmente se manifestou em defesa do “resgate” do Poder Legislativo.

Acordou tarde, mas acordou. Aldo Rebelo e os candidatos à presidência do Senado continuam dormindo em berço esplêndido no tema.

O idioma

Por equívoco de digitação, o plural de “contorno”, que por três vezes a ministra Dilma Rousseff pronunciou “contórnos” na apresentação do PAC, saiu ontem grafado corretamente, sem o acento inexistente, o que impossibilitou a compreensão da nota “teje”.

Quanto ao uso da preposição após o verbo “implicar”, leitores apontam exemplos de sua classificação como intransitivo ou bitransitivo.

Não nas frases usadas pelos ministros, cujo sentido - demandar, trazer como conseqüência, fazer supor - implica a utilização do transitivo direto.

A propósito: não se trata de implicância nem de intolerância ao erro - ninguém está imune -, mas, tanto quanto possível, de esforço de exatidão e respeito ao belo idioma português. Tal como fazem os leitores nas constantes e muito bem recebidas correções. Não são implicantes, são atentos.


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