Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 29, 2007

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Globalização comercial e financeira

A necessária estratégia de desenvolvimento deverá se basear em uma taxa de câmbio competitiva


AS DUAS alternativas para a globalização -a do Fórum Econômico Mundial e a do Fórum Social Mundial- não são relevantes para o Brasil. A primeira porque é a mera celebração do atual estágio do desenvolvimento capitalista; a outra porque, embora generosa, é utópica. Para nós, o que interessa é outra distinção; é compreender que a globalização comercial é uma grande oportunidade para quem tem mão-de-obra ainda barata, e a financeira, a causa de quase estagnação de países em desenvolvimento como o nosso.
A globalização enquanto fenômeno econômico é a competição comercial em nível mundial entre os Estados-nação por meio de suas empresas. Logo, a questão fundamental é saber como cada país será ou não bem-sucedido nessa competição. No início dos anos 1990, quando a hegemonia ideológica dos Estados Unidos estava no auge, o globalismo -a ideologia da globalização- afirmava que bastava para isso realizar reformas que abrissem todos os mercados, inclusive os financeiros.
Verificamos, 15 anos depois, que essa receita foi desastrosa para quem a seguiu porque não distinguiu a globalização comercial da financeira. Para países em desenvolvimento, cuja mão-de-obra é barata em relação aos países ricos, a globalização comercial representou uma incrível oportunidade. Primeiro os tigres asiáticos e depois a China estão aí para demonstrá-lo. Em compensação, a abertura financeira foi a principal razão da quase estagnação da América Latina.
O segredo do desenvolvimento dos países asiáticos dinâmicos foi ter limitado a globalização financeira. Eles compreenderam que a flutuação sem controles da moeda nacional podia anular a vantagem existente na globalização comercial, porque, quando a taxa de câmbio deixa de ser administrada, a moeda local nos países em desenvolvimento tende a se tornar apreciada e, portanto, não competitiva. A doença holandesa, causada pela disponibilidade de recursos baratos e abundantes, é a causa dessa tendência: a taxa de câmbio resultante -apreciada- é definida por esse recurso barato, cuja exportação é rentável a essa taxa. Outros bens comercializáveis com maior valor adicionado per capita, embora utilizem tecnologia no estado da arte, ficam inviabilizados porque necessitam de uma taxa de câmbio mais depreciada -uma taxa livre da doença holandesa- para serem rentáveis. E assim fica inviabilizado o desenvolvimento econômico que implica a transferência de mão-de-obra de setores econômicos com baixo valor adicionado per capita para setores com maior conteúdo tecnológico e maiores salários.
É isso o que acontece hoje no Brasil. Com a liberalização comercial, em 1990, que automaticamente baixou a taxa de câmbio efetiva, e a liberalização cambial, em 1992, que levou à perda da sua capacidade de administrar o câmbio, o país perdeu suas defesas contra a doença holandesa e estagnou. Sua indústria vai se transformando em uma indústria "maquila", que apenas usa mão-de-obra barata e pouco qualificada, como aconteceu com a economia mexicana. Nos anos 1990, a essa perda de defesa somou-se a adoção da "política de crescimento com poupança externa", ou seja, de crescimento com déficits em conta corrente, que apreciou ainda mais o câmbio e foi duplamente desastrosa.
Para competir com sucesso na globalização, a necessária estratégia nacional de desenvolvimento deverá se basear em uma taxa de câmbio competitiva. Para isso, além de estabelecer limites rigorosos ao endividamento externo, deverá poder limitar a entrada de capitais sempre que for necessário. Não precisará limitar sua saída, porque essa é uma política à qual recorrem os países que aceitam as recomendações da ortodoxia convencional, endividam-se e ficam ameaçados de crise de balanço de pagamentos. Não basta, porém, evitar crises: a doença holandesa é compatível com equilíbrio a longo prazo da conta corrente. Só administrando a taxa de câmbio competitiva o Brasil poderá aproveitar seu potencial empresarial e tecnológico e crescer competitivamente na era global.

Arquivo do blog