Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Míriam Leitão - A ministra e a pena


Panorama Econômico
O Globo
24/1/2007

Uma pena caiu no estúdio da TV. Não se sabe de onde veio. Era de algum pássaro grande, escuro; veio voando e caiu no chão. O jornal começaria em minutos. A jornalista Cláudia Bomtempo se assustou: "Pensei que fosse uma barata." E a ministra Dilma Rousseff respondeu rápido: "Se fosse, nenhuma de nós ficaria aqui." Na véspera, Dilma, que parece nada temer, havia apresentado, com a segurança de sempre, o plano do segundo mandato do governo Lula.

Depois da entrevista ao "Bom Dia Brasil", a ministra continuou no estúdio conversando sobre o Plano de Aceleração do Crescimento. Não consultou papel para falar de assuntos variados e tem resposta para todas as críticas.

- Vi que você escreveu que não foi levada em consideração a variável ambiental. Foi sim. Tanto que todos os projetos só serão tocados se houver licença ambiental prévia. Nós apenas queremos evitar que, por não saber que órgão deve dar a licença, tudo seja embargado pelo Ministério Público.

Sobre a crítica de timidez das medidas fiscais, Dilma ressaltou que o limite de aumento dos salários dos funcionários, de 1,5%, ficará sempre abaixo do PIB. Lembrei que os aumentos de gastos com a folha salarial serão não apenas os 1,5%, mas pelo IPCA também.

- Mas isso é a inflação - disse a ministra.

Aí é que mora o perigo, porque isso pode ser o início de uma nova indexação. Nesse ponto, há uma certa confusão. Tanto a ministra Dilma Rousseff, quanto o ministro Guido Mantega ora falam disso como freio nas despesas, ora como garantia de aumento salarial para os funcionários. Na entrevista ontem, Dilma disse que o funcionalismo "que, no passado, não teve sequer ajuste pela inflação, vai ter não só ajuste pela inflação, mas também proposta de aumento real". Se for garantia, é indexação; se for um teto para o aumento da despesa, então significa que o gestor público terá que escolher se contrata mais ou se aumenta os salários dos funcionários.

Uma das dúvidas do PAC é como aumentar os investimentos com agências fracas. O governo passou meses sem nomear novos diretores para a Anatel; a ministra nega que tenha sido veto dos sindicalistas.

- Isso é lenda. Os sindicatos podem opinar, mas não quer dizer que vamos acatar. Demoramos muito a nomear na Anatel porque estávamos esperando um nome de peso. Acho que escolhemos o melhor. O embaixador Ronaldo Sardenberg tem experiência, uma visão da expansão desse setor e competência - afirmou a ministra.

Dilma fez uma defesa forte das agências:

- As agências são fundamentais para evitar que os preços se formem de maneira distorcida. Têm que ser isentas. Estamos fortalecendo as agências: a Aneel já atingiu a maioridade; a ANP, também, e agora a Anatel. A Anac enfrentou um problema que não é trivial, substituindo um regulador antigo de um mercado que era um quase monopólio.

A ministra reagiu também às críticas que recebeu pela suspensão da licitação das rodovias:

- Não existe apenas a escolha entre as estradas ruins e as caríssimas - disse ela.

- E quanto custam as ruins? - perguntou Alexandre Garcia, referindo-se às perdas econômicas e de vidas.

- As ruins podem ser caríssimas, sim, mas eu estou me referindo ao contrato que estabelecia que a remuneração sobre o capital era de 26,6%. Estou falando isso para você, Míriam. Você acha que poderíamos deixar esse valor? - perguntou a ministra.

- E levaram quatro anos para descobrir isso?

- Não, mas, nesses quatro anos, houve uma queda forte dos juros, do risco-país, do custo de capital como um todo. Não faz sentido manter essa remuneração. Estamos tentando acertar apenas a distorção para retomar a licitação.

Sobre a Previdência, Dilma não negou a necessidade de reforma, mas acha que o fórum da Previdência é o melhor caminho.

- Seria muito fácil contratar três consultores e propor uma reforma, mas isso só dá para ser feito se for negociado com a sociedade.

No final da entrevista do "Bom Dia Brasil", Alexandre Garcia perguntou a ela se, quando o presidente falou de crescer sem afetar a democracia, estava se referindo à Venezuela. Dilma negou.

Assim que foi encerrada a entrevista, ela se virou para nós três e perguntou:

- Vocês acham mesmo que o presidente falou aquilo se referindo a Hugo Chávez?

Eu disse que tinha ouvido no governo que era um recado para quem vive mostrando ao presidente os índices chineses de crescimento.

- É mais por aí. Mas o presidente falou aquilo porque acha fundamental reafirmar os valores democráticos em todos os momentos - comentou Dilma.

A pena escura ficou lá no chão do estúdio, inofensiva. A ministra havia dito naquela conversa, no momento em que a pena caiu:

- Não entendo os homens: por que eles não se assustam com baratas?

Contei para Dilma que me lembro, até hoje, das baratas da cela onde fiquei.

- Eu também me lembro das que estavam na minha cela. Fizemos um cercadinho para tentar evitar que elas viessem - contou ela.

Fica-se sabendo, assim, que a ministra Dilma tem, pelo menos, um medo confesso. Quando o enfrentou, tentou cercá-lo e isolá-lo. Quanto ao PAC, ela não demonstra ter qualquer dúvida de que ele vai garantir um segundo mandato com crescimento. Acha que o Plano dará as regras do crescimento e a sinalização certa para o setor privado.

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