Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 28, 2007

MIRIAN LEITÂO Dois pontos

Duas constatações sobre o mundo hoje: primeira, a economia mundial continua a crescer de forma vigorosa, e dissiparam-se, nos últimos meses, os temores de que ela entrasse em recessão; segunda, a preocupação com o aquecimento global aumentou muito nos últimos tempos; saiu do gueto dos ambientalistas para entrar nas equações de economistas e no discurso dos grandes líderes mundiais.

O Brasil parece em duplo descompasso: não cresce de forma vigorosa; nem a questão ambiental está no centro do planejamento do futuro.

No PAC, foi um silêncio que preocupou: o meio ambiente parecia ser, como nos planos de metas do passado, uma não-questão. Ao falar dos objetivos do plano que tentará fazer o Brasil acelerar o crescimento, a ministra Dilma Rousseff listou: redução das desigualdades regionais, integração com os outros países da região e “indução do desenvolvimento na expansão das fronteiras agrícola e mineral”. Nenhuma palavra sobre conter essas fronteiras para evitar o desmatamento, que tem sido nossa principal contribuição ao efeito estufa.

Fronteira agrícola e mineral é outro nome de desmatamento.

Elas se expandem desmatando.

No governo Lula, f o r a m d e s m a t a d o s 85.000km2 da Amazônia, e já somos um dos maiores poluidores do mundo.

O silêncio que Lula fez, em seu discurso, sobre a questão ambiental, o presidente George Bush não fez no seu “Estado da União”. Bush falou por apenas três minutos no tema, mas reconheceu como séria a ameaça da mudança climática. Foi uma virada.

Ele sempre negou a existência do problema com base nos cientistas céticos, que estão cada vez mais isolados.

Hoje a maioria absoluta dos cientistas diz que o problema existe, sim, é grave e seus efeitos estão sendo mais rápidos do que se imaginava. Quem ainda duvida deve esperar o novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, que porá números, fatos e provas atualizados nesse debate.

Sobre a Amazônia, estão programadas estradas, hidrelétricas e linhas de transmissão.

Normalmente, esses empreendimentos levam mais fundo na floresta a expansão das fronteiras agrícolas. Não é que não possam ser feitos.

Não podem é ser feitos sem que um dos objetivos firmes do PAC seja conter a destruição da floresta.

No Ministério do Meio Ambiente, respirou-se aliviado num primeiro momento.

Lá o medo era que vingassem as pressões pela “flexibilização” da legislação ambiental.

— O que acabou saindo foi o que o Conama propôs: a regulamentação do artigo 23 da Constituição, esclarecendo as atribuições de cada instância na concessão de licenças ambientais — disse o secretário de Biodiversidade, João Paulo Capobianco.

A ministra Marina Silva foi mais dura no discurso que fez no IBGE, no Rio, na quintafeira, diante do mapa da Amazônia divulgado pelo Instituto.

O desmatamento registrado lá está desatualizado, mas o mapa é suficiente para se ver que a floresta vai se fragmentando.

Marina disse que está na hora de o Brasil tomar uma decisão sobre o que quer para a Amazônia. E afirmou que a preservação tem que ser parte da equação do desenvolvimento nacional.

Enquanto isso, no mundo, o ponto é exatamente este: pôr a luta contra o aquecimento global como parte do desenvolvimento.

Em Davos, na reunião do World Economic Forum, vários líderes fizeram coro pró-controle das emissões de gases de efeito estufa. A presidente da Suíça, Micheline Calmy-Rey, falou que o que está em risco é a “segurança humana”. Esse foi um tema freqüente nas declarações de líderes empresariais e políticos. No ano passado, meio ambiente foi tema lateral; este ano, subiu ao palco principal.

No “Long Global Risk Report 2007”, divulgado em Davos, afirma-se que “a mudança climática é vista agora como um dos desafios definidores do século XXI e como um risco global cujo impacto vai além do meio ambiente”.

Essa questão, diz também o documento, abre a chance de aumentar a resistência dos países desenvolvidos aos choques do petróleo, por empurrar à redução do uso do petróleo. A economia global “está se expandindo mais rápido que em qualquer outra época na História, mas continua vulnerável”, afirma. São várias vulnerabilidades, como os déficits americanos, a qualidade do crescimento chinês.

Contudo a economia mundial se manteve, milagrosamente, em pé diante de desafios imensos dos últimos tempos, lembra o expresidente do Banco Central Armínio Fraga.

— Ninguém teria apostado que o mundo cresceria, nos últimos seis anos, se soubesse, em 2000, que, nos anos seguintes, ocorreria um atentado terrorista em Nova York; uma guerra dos Estados Unidos com o Iraque seguida de uma guerra civil dentro do país, que é um dos maiores produtores de petróleo, com o petróleo saindo de US$ 15 para US$ 60, passando pelo pico de US$ 78; e teste nuclear na Coréia do Norte — lembra A rm í n i o .

Com tudo isso, o mundo cresceu como nunca, e o Brasil cresceu pouco. A Europa, região tradicionalmente estagnada, está crescendo a mais de 2%, que é um resultado muito bom para ela. Lá, eles não acham que meio ambiente é entrave.

Pelo contrário, lançaram o mais ambicioso plano de corte de emissões.

Isso vai significar aumento de custo das empresas para compra de crédito de carbono, ou conversão das suas operações para atingir as metas de redução de emissão. A Europa não acha que deva adiar as decisões na área da proteção ao planeta para garantir seu crescimento.

O Brasil precisa acertar o passo nestas duas áreas: crescer mais e incluir o desmatamento zero como parte dos objetivos nacionais de desenvolvimento. É assim que se cresce no século XXI.

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