Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 27, 2007

Winston Churchill, de Stuart Ball

A permanência de Winston Churchill

Há sempre o que aprender lendo sobre
as muitas vidas e obras do "leão britânico",
a quem Hitler e Stalin nunca enganaram


Eurípedes Alcântara

Churchill retratado em óleo com o uniforme de comodoro do ar honorário da RAF: "Majestade... o povo acaba de me dar a ordem da botina"
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Trecho do livro

Winston Churchill (Stuart Ball, biografia ilustrada da British Library; tradução de Gleuber Vieira; Nova Fronteira; 256 páginas; 49,90 reais) revive histórias de um dos mais impressionantes homens de Estado dos tempos modernos. A fonte do interesse sempre renovado pelo "leão britânico" do século XX é o seu papel de guerreiro do bem em sucessivos episódios dramáticos que formaram o mundo em que hoje vivemos. O reconhecimento da sua real estatura política sempre pareceu chegar um pouco tarde ou acabar um pouco cedo demais. Em julho de 1945, dois meses depois da vitória dos Aliados na Europa, seu partido, o Conservador, perdeu a eleição geral. Os trabalhistas obtiveram maioria no Parlamento e seu líder, Clement Attlee, foi feito primeiro-ministro. Derrota em plena vitória. Coisa humilhante. Churchill tratava da divisão da Alemanha na conferência de Potsdam com o soviético Joseph Stalin e o americano Harry Truman (Franklin Roosevelt morrera em 12 de abril).

Churchill foi substituído imediatamente por Attlee, que, como vice-primeiro-ministro, se juntara à delegação inglesa em Potsdam. Attlee continuaria a mencionar o ausente Churchill como "o senhor primeiro-ministro" por todo o resto da conferência. Pequena homenagem. A maior, ele não quis. O rei ofereceu-lhe a Ordem da Jarreteira, a mais cobiçada do império britânico. Churchill recusou-a com uma de suas tiradas típicas: "Obrigado, majestade, mas não ficaria bem. O povo acaba de me dar a ordem da botina". Churchill só se tornou sir em 1953, dois anos antes de deixar o posto de primeiro-ministro, que ocuparia pela segunda e última vez. Aceitaria, então, a Jarreteira das mãos da jovem rainha Elizabeth II.

Nas duas grandes guerras do século XX, Churchill começou na mesma posição de comando, a de primeiro lorde do almirantado, o ministro da Marinha inglês. "Winston está de volta" foi o lacônico radiograma que o almirantado passou a todos os navios da Marinha Real em setembro de 1939, quando ele foi nomeado, menção à sua primeira chegada ao imponente edifício da Avenida Whitehall no já então longínquo ano de 1911.

Carreira curiosa para o tenente de cavalaria, jogador de pólo na Índia. Churchill ganhou e perdeu várias eleições e foi acumulando experiência em cargos ministeriais – Colônias, Comércio, Interior, Marinha, Material Bélico, Guerra e até Finanças, em 1924. Ele foi ministro das Finanças por cinco anos, período em que fez alguns dos mais memoráveis e inteligíveis pronunciamentos sobre economia da história de todos os púlpitos. A partir daí entrou em um período que chamou de "ermo". Ele voltaria. A guerra, esse momento crucial das nações, em que tudo o mais se apaga e o que avulta é a competência de cada um, traria Winston Churchill de volta ao governo. A Inglaterra recorreu a ele para derrotar a ameaça de Adolf Hitler, para cuja malignidade Churchill vinha alertando desde o começo dos anos 30.

Talento político e o mais poderoso dom de oratória que o Parlamento conheceu aliaram-se à maestria no domínio da língua inglesa como escritor. Escreveu muito, escreveu bem e deixou citações interessantes sobre a arte. "Das palavras as mais simples, das mais simples a menor." "Escrever um livro é uma aventura. Principia um brinquedo e um gosto. Vira uma amante, depois um tutor, depois um tirano. Na fase final, já conformado em ser seu escravo, você o mata e arremessa o corpo ao público." Lord Moran, seu médico acompanhante e amigo, disse que Churchill recebeu feliz o Prêmio Nobel de Literatura de 1953 por suas Memórias da Segunda Guerra Mundial, apenas achou que a premiação viria mais tarde, por Uma História dos Povos de Língua Inglesa, que ele ainda escrevia.

De todas as saídas de Churchill do centro do proscênio da história recente, a mais encabulante para quem vê o enredo de trás para a frente foi aquela descrita no primeiro parágrafo. Sua humilhante derrota meses depois de vencer a guerra na Europa. A gente daquele tempo pode ser desculpada? Com o passar dos anos ficou mais clara a explicação da derrota de Churchill. O governo da coalizão não tinha propriamente oposição, pois os três partidos estavam no governo. O trabalhista Attlee, como vice-primeiro-ministro, fora encarregado, pela duração toda da guerra, dos assuntos da administração interna do reino. Cabia a Churchill as questões militares e diplomáticas. Ele viajava constantemente. Ademais, refletiu-se na vitória trabalhista de então o auge do prestígio no Ocidente dos soviéticos, do comunismo e da esquerda: os russos eram os aliados parceiros da vitória da Grande Aliança, diziam representar o futuro do mundo e contavam com as boas graças dos Estados Unidos. Pode-se mesmo dizer que Churchill venceu Hitler com sua obstinação em não ceder, não pedir paz, não desistir – até hoje ecoa na história seu discurso nos Comuns: "We shall never surrender!" –, mas quem venceu a guerra, forças contra forças, foram os russos, muito ajudados pelos Estados Unidos.

Churchill resumiu a história dizendo que, "na derrota do nazismo, a Inglaterra entrou com o tempo, os Estados Unidos entraram com o aço e a União Soviética entrou com o sangue". Assim foi, e depois da virada da maré, no verão e outono de 1942, os russos não mais se detiveram até chegar a Berlim. Nesse período de boa vontade com os bolcheviques e de ilusão geral sobre seu regime, fez todo o sentido a vitória da esquerda na Inglaterra. Churchill ganhou no seu distrito, manteve o mandato e liderou a oposição.

Seguiu-se um tempo estranho em que só Churchill parecia enxergar perigo na dominação soviética da metade oriental da Europa. Foi quando ele fez em Fulton, no Missouri, a convite do presidente Truman, o famoso "discurso da Cortina de Ferro", um alerta para o Ocidente e, para muitos, o começo da Guerra Fria.

Churchill morreu em janeiro de 1965, com 90 anos de uma existência extraordinária.

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