O Estado de S. Paulo |
29/1/2007 |
É possível que dentro de duas semanas ninguém mais agüente ouvir falar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), proposto como eixo da estratégia econômica do segundo mandato do presidente Lula. É o parto da montanha com a mais completa cobertura dos meios de comunicação de que se tem notícia. E o que se pode dizer sobre o ratinho? É fácil perder a noção de seu significado efetivo, dada a prevalência de medidas discricionárias. O governo mostrou sua clara preferência por remendar, em vez de reformar. O programa traz claras marcas da improvisação que cercou a sua concepção. Embora a opção “desenvolvimentista” tenha sido continuamente brandida pelos críticos da “ortodoxia” da política econômica, durante o primeiro mandato, fica evidente que o jogo de cena não foi acompanhado de esforço mais sério de reflexão sobre como tirar a economia do marasmo medíocre em que está mergulhada por mais de um quarto de século. No fundamental, trata-se de plano de investimentos adicionais equivalente a algo mais do que 0,5% do produto interno bruto (PIB), conjugado a uma “desoneração” fiscal da ordem de 0,3% do PIB, e com compromissos de difícil implementação quanto à redução dos gastos de pessoal. Não houve compromisso quanto à carga fiscal, de modo que não há certeza quanto à magnitude da desoneração fiscal líquida resultante. O governo ficou devendo a explicação de como modesto aumento de investimentos públicos e também modesta desoneração fiscal serão capazes de estimular os “espíritos animais” no setor privado, de tal forma que se aumente significativamente a formação bruta de capital fixo. Seria interessante saber como o mágico crescimento almejado de 5% ao ano em bases sustentadas poderá decorrer de estímulos tão limitados. Ainda mais importante do que se debruçar sobre as minúcias dos investimentos projetados é colocar o programa no contexto da evolução das políticas implementadas nos dois mandatos do presidente Lula. Em 2003, no início do primeiro mandato, passada a constatação de que a política econômica prudente estava consolidada como pilar da estratégia de governo, a expectativa otimista era de que as ações em outras áreas do governo passassem a ter o nível de qualidade da condução da política econômica. Isto se reforçou à medida que se constatou que, a menos dos programas de redistribuição de renda, com incerto impacto sobre o crescimento, as demais ações do governo careciam completamente de eficácia. Tratava-se de, essencialmente, tentar estender a virtude e os bons resultados da política macroeconômica às outras políticas governamentais. Se os resultados da política econômica tivessem sido capitalizados politicamente de forma mais conseqüente - e não constituído alvo predileto de opositores em aguda luta interna -, não teria sido impossível progredir na reforma previdenciária, reduzir outros gastos públicos e implementar reforma tributária significativa. A redução dos gastos públicos, especialmente dos gastos correntes, teria permitido redução mais rápida da relação dívida-PIB. Com esta sinalização e em meio a expansão significativa das exportações, ajudada pelo boom da economia mundial, teria sido possível fazer decolar o progressivo aumento dos investimentos privados e o conseqüente aumento do ritmo de crescimento da economia. Passado um quadriênio se constata que essas expectativas de boa contaminação eram vãs. A contaminação entre políticas teve causalidade oposta à que seria desejável. Prevaleceu a versão adaptada da Lei de Gresham (1519-1579, assessor econômico da rainha Elisabete I da Inglaterra) relativa à convivência de dois meios de troca de valor desigual: “A moeda má expulsa a moeda boa.” No Brasil lulista são as políticas más que tendem a expulsar a política boa. É a política econômica prudente e bem-sucedida que está sob pressão para se alinhar à norma medíocre das demais ações do governo. Nesta perspectiva, o PAC configura a vitória da crença na competência do governo em distribuir benesses seletivas, na possibilidade de evitar reformas conseqüentes e continuar remendando a colcha de retalhos que caracteriza a legislação tributária brasileira. Também admite implicitamente o fracasso na esfera regulatória ao reservar ao Estado o grosso dos investimentos em infra-estrutura energética. Culmina a ofensiva rousseffista contra a idéia de ajuste fiscal sustentado, que era a essência estratégica da política econômica paloccista. Para todos os efeitos, levou ao abandono de qualquer concepção baseada em transição gradual para trajetória virtuosa que possibilitasse a volta ao crescimento rápido e sustentado à luz de políticas essencialmente horizontais. Não é razoável tentar buscar apoio na mitologia que cerca o o governo JK, invocando a semelhança do PAC com o Plano de Metas. Com todas as conhecidas fragilidades do Plano de Metas, não há comparação possível entre a sua preparação pelo Conselho de Desenvolvimento e a correria que marcou a elaboração do PAC. O Plano de Metas cristalizou anos de trabalho no governo Dutra, na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e no então recém-criado BNDE na identificação de projetos prioritários de infra-estrutura. JK foi capaz de mobilizar amplo leque de colaboradores competentes, de Roberto Campos a Lucas Lopes, muitos com experiência bem-sucedida na prefeitura de Belo Horizonte e no governo de Minas Gerais. E, também, de criar mecanismos de interação setorial eficaz entre governo e setor privado. Não adianta, ainda, insistir na tentativa de substituir falta de substância por muita ênfase. Pode funcionar por algum tempo, mas a pirotecnia tem efeitos passageiros, vai-se esvair e, então, vai começar a cobrança da aceleração sustentada do crescimento. |
Entrevista:O Estado inteligente
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