Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Miriam Leitão Erros nada originais

O PAC foi mal apresentado e mal explicado. O erro começou na concepção da cerimônia. O Planalto deveria ter aproveitado melhor a presença dos 25 governadores na festa do governo. Deveria ter mostrado mais deferência, fazendo reuniões prévias, por exemplo. Eles tiveram que ficar lá sentadinhos, como alunos na escola, durante duas horas, vendo o governo fazer o seu show.

Eles também são governo, em cada um dos estados federados. Também são poder.

Acabam de assumir. Precisavam ser ouvidos, e não tratados como passivos ouvintes.

A cerimônia foi longa, com duas apresentações em powerpoint, para uma platéia muito grande, e isso foi exasperando, sedimentando resistências.

A suposta brincadeira do ministro Guido Mantega — “olha aí, Meirelles” — foi um erro. Não era um encontro informal. Era uma reunião do presidente com ministros, governadores, base parlamentar, empresários e imprensa.

Guido quis dizer ao presidente do Banco Central que não era ele que dizia que os juros cairiam, mas a previsão do mercado, com a qual ele havia construído seu cenário de queda da dívida/PIB.

O tom e a hora transformaram a brincadeira numa advertência na véspera da reunião do Copom. Qualquer que fosse a decisão pareceria resposta do BC a Mantega.

A decisão de queda dos juros de 0,25 ponto percentual que acabou sendo tomada foi técnica. Errada ou certa, seguiu o ritual da reunião do Copom de dois dias de análises dos dados e convergência das opiniões.

Nessas reuniões, são proibidas as conversas paralelas, exatamente para evitar a assimetria de informações.

Pode parecer preciosismo, mas, num país que teve duas décadas e meia de superinflação e uma assustadora hiperinflação, não é demais lembrar que: o papel dos bancos centrais é garantir a estabilidade; sua primeira missão é evitar a inflação; banco central algum garante crescimento.

O PAC errou quando entrou em terreno tão minado quanto o FGTS sem pedir permissão. Nesse campo, todo o cuidado é pouco e tudo tem que ser muito explicadinho.

O FGTS é uma poupança compulsória; um dinheiro do trabalhador ao qual ele não tem acesso, a não ser em situações extremas, pelo qual recebe remuneração baixa sem liberdade de escolha. O cotista teve duas chances pequenas de escolher a aplicação — nas ações da Vale e da Petrobras. Quem arriscou se deu bem. Mas é totalmente diferente aplicar em empresas rentáveis ou em projetos de retorno mais duvidoso.

A Fazenda explicou que o governo vai usar é o patrimônio líquido do FGTS. Tem o ativo suficiente para cobrir todo o passivo que já existe e tem essa sobra. O risco do crédito é do conselho do FGTS, que escolherá os projetos.

Dentro de dois anos, se escolher aplicar 10% do patrimônio, cada cotista correrá o risco. Erro básico do governo foi mexer em dinheiro coletivo sem ouvir os donos; e sem explicar direito as garantias. O brasileiro tem traumas; lembranças de mudanças arbitrárias nas quais perdeu dinheiro. O traumatizado tem razão e precisa ser respeitado.

Errou também na comunicação da regra sobre salários de funcionários. Quis agradar a dois públicos: os que pedem controle de gastos e os servidores.

A uns disse que era freio nas despesas; a outros, que, “pela primeira vez na história da República”, eles teriam garantia de reajuste pela inflação mais 1,5%. Ora, se cada funcionário tiver essa garantia individualmente, é indexação, e as despesas vão estourar o teto, porque há o crescimento vegetativo de gastos, há contratações, há sempre ajustes, planos de carreira e equiparações na folha salarial dos órgãos públicos.

Se for teto de despesa, então não se pode garantir a cada servidor que o salário dele crescerá a inflação mais 1,5% ao ano. Se for indexação, é uma complicação a mais. O Plano Real, que estabilizou a economia, é, como o Brasil sabe, um plano de desindexação.

Aquilo que parecia garantia de preços e salários justos virou causa de um desastre nacional.

Nas cifras apresentadas, o governo fez uma miscelânea.

O número vistoso de R$ 503 bilhões tem que ter desconto: do dinheiro do setor privado que vai investir se houver projetos, ambiente de negócios, regras estáveis e capacidade de o governo fazer PPPs — o que ele não conseguiu até agora. Tem que ser descontado o dinheiro que as estatais investiriam mesmo sem o PAC. Alguns itens têm que mudar de rubrica. Exemplo: infra-estrutura é de uso público, não pode ser de uma empresa apenas. O investimento da Petrobras para ampliarse no seu mercado, já monopolista, entra como infraestrutura. Tirando todos os noves fora, chega-se a um número modesto de investimento — R$ 67 bilhões em quatro anos —, sendo que R$ 52 bilhões se o governo conseguir cumprir as regras para usar o PPI.

Com tudo isso, vai funcionar? Um governo que tira da sociedade 38% do PIB em impostos, que gasta 34% em despesas correntes e investe 1% do PIB; um país de gente jovem, que tem 36% da população com menos de 20 anos, e gasta com aposentados 12% do PIB (servidores e INSS) está numa grande encrenca. Principalmente quando o governo não quer olhar de frente para as despesas e não tem coragem nem de propor uma idade mínima para a aposentadoria.

Quando gasta e cobra tanto, não investe e tira do setor privado a musculatura para investir.

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