Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Ai dos vencidos!- Aldo Pereira



Folha de S. Paulo
26/1/2007

O atual antagonismo entre a nação e o Estado advém da conduta rapinante da classe política e da burocracia por ela montada

COMO VENCER quando o adversário faz e aplica as regras do jogo? E se a principal dessas regras o autoriza a mudá-las segundo lhe convenha? Esse é o enigma que paralisa a República brasileira diante da esfinge.
O atual antagonismo entre a nação e o Estado claramente advém da conduta rapinante da classe política e da burocracia por ela montada. No Congresso, onde, aliás, têm cadeira réus confessos de crimes de improbidade (perdão: "erros"), parlamentares atuam não para tutelar interesses da nação, que só para isso lhes delegou mandato, mas no gerenciamento de interesses próprios, conjugados com os do governo que os suborna e com os de grupos que os financiam.
Um ano antes de morrer, Castro Alves (1847-71) escreveu no poema "O Livro e a América" uma décima rematada pela seguinte sextilha: "Oh! Bendito o que semeia Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n"alma É germe -que faz a palma, É chuva -que faz o mar".
Hoje, as musas republicanas que tanto o inspiraram talvez lhe soprassem ao ouvido algo assim, para ser recitado pelos membros do Congresso: "Oh! Bendito o que semeia Verbas... Verbas à mão cheia...
E manda o povo pagar!
A verba que a gente empalma É grana -que compra a alma, É voto -parlamentar".
Mais inquietante é a influência crescente e intrusiva do Executivo sobre os outros Poderes. Com a faculdade oportunista, embora legal, de nomear a maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal, com abusiva emissão de medidas provisórias e com o sub-reptício expediente de eleger os presidentes do Senado e da Câmara, o governo vai assumindo tácitas prerrogativas totalitárias, pois corrompe o princípio de independência que a Constituição atribui aos três Poderes.
Para aliciar congressistas, o Planalto dispõe, naturalmente, do suado produto de nosso trabalho. Com orgulho do punguista que se gaba da destreza em bater carteiras, o governo festeja uma arrecadação de impostos proporcionalmente superior à de quase todos os países ricos. Verdade que não fica com tudo: deve contentar seus cúmplices parlamentares com apropriado quinhão.
Não que estes não saibam cuidar-se. Nos EUA, salário de senador ou deputado corresponde à renda de quatro americanos, medida em PIB per capita. Já o salário anual pretendido por nossos congressistas corresponde, por igual critério, à renda de 17 brasileiros. Parlamentares escandalizados falam num desconto que mudaria o valor para perto da renda de 12 brasileiros; isto é, "só" três vezes o que pagam os contribuintes estadunidenses. Os quais, embora cinco vezes mais ricos que nós, têm resmungado crescentes protestos contra o que seus representantes se pagam.
Outra comparação. O Parlamento Europeu emprega umas 4.900 pessoas, das quais cerca de 1.300 se ocupam da "Babel de Papel" gerada pelas 22 línguas oficiais dos 27 países-membros. Destes, até os menos ricos desfrutam PIB superior ao do Brasil; a média é mais de três vezes maior.
Aqui, embora tenhamos uma única língua oficial, editorial recente da Folha informa que o Congresso brasileiro emprega quase 21 mil funcionários; isto é, mais de quatro vezes o número de servidores do Parlamento da União Européia.
Protestar? Ultimamente, tem sido pior. Lembra o saque de Roma por invasores gauleses em cerca de 390 a.C. Apesar da discutível autenticidade histórica, essa narrativa tem méritos de parábola. Segundo ela, o líder dos gauleses, que os romanos chamavam de Brennus, exigiu da população da cidade extravagante quantidade de ouro como condição para retirar as tropas que alegremente se empenhavam na orgia de estupros e pilhagem.
Num dos pratos da balança, Brennus mandou colocar couraças e outras pesadas peças de bronze. No outro prato, cada humilhado patrício teve de ir depositando pequenos artefatos de ouro. Também aos poucos, foi ficando mais e mais evidente o valor enorme da riqueza extorquida necessária para equilibrar os pratos.
Inconformado, um dos líderes romanos protestou. A resposta lacônica de Brennus foi sacar a pesada espada, jogá-la no prato dos bronzes para aumentar-lhe ainda mais o peso e grunhir: "Vae victis!" ("Ai dos vencidos!").
Moral dessa história da história: protestos fúteis e lamúrias não aliviam aflições e vergonhas de derrotados. Não fosse ele tão orgulhoso de sua limitação unilíngüe, nosso presidente com certeza escarneceria: "Vae victis!".

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