A cada ciclo governamental o Brasil ganha um plano de desenvolvimento, na cabal demonstração de que o slogan pátrio nunca foi ordem e progresso, mas um eterno recomeço que a ampulheta do tempo, vira-e-mexe, impõe como o nosso conceito de devir. O Brasil não leva jeito. É o sempiterno território de iniciativas pioneiras (Fome Zero) que morrem de inanição por falta de alimento adequado, de medidas provisórias (CPMF) que se tornam permanentes para tapar os buracos do Estado, de projetos de impacto (expurgo da poupança da era Collor) que exibem o desrespeito por parte da administração pública e de programas que mais parecem remendos sobre uma colcha de velhos projetos, como este Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado de maneira retumbante, como se o Brasil, ufa!, finalmente tivesse descoberto a pólvora. Deslumbrado com a descoberta, o presidente Luiz Inácio prega ter chegado o tempo para “acumularmos matéria-prima de sonho e de utopia”, esquecendo que isso é o que não falta no estoque cívico da Nação.
O PACote certamente desperta esperanças, produto, aliás, que embalou o Plano Plurianual (PPA), em 2004, que ganhou o mercadológico nome de Brasil de Todos, apresentado por ele mesmo, Luiz Inácio, como alavanca para “inaugurar um modelo de desenvolvimento de longo prazo destinado a promover profundas transformações estruturais na sociedade brasileira”. O Lula I substituía o Avança Brasil, do governo Fernando Henrique, um polpudo conjunto de 365 programas, também regado a utopia, eis que, ao ser encaminhado ao Congresso, prometia recursos da ordem de R$ 1,1 trilhão, crescimento da economia de 4% ao ano a partir de 2000, chegando a 5% em 2003. As coincidências se multiplicam, seja pela inserção dos mesmos projetos nas duas propostas, seja pelo palavrório muito parecido. Se Lula aprecia epítetos como Aceleração do Crescimento ou Luz para Todos, Fernando Henrique gostava igualmente de títulos como Aceleração da Aprendizagem e Escola de Qualidade para Todos, não conseguindo, ambos, disfarçar o leve sorriso do barbudo Lavoisier, que ensinou: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” Quem não se lembra dos quatro fracassados planos econômicos da era Sarney? Ou da “utopia autoritária” do ciclo militar, que para assegurar motes como o de “segurança e desenvolvimento”, da lavra de Garrastazu Médici (1969-1974), patrocinou uma febre de repressão, violência e supressão de liberdades? Reconhece-se, a bem da verdade, que a ditadura colocou o País no caminho do desenvolvimento econômico, conteve a inflação e diminuiu a presença do Estado na economia. Mas a um custo que sugou a seiva democrática.
Faz tempo que o Brasil produz planos fantásticos e navega em utopias, presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até o histriônico presidente Jânio Quadros, cultor de Lincoln, o assassinado 16º presidente dos Estados Unidos, fez seu Primeiro Plano Qüinqüenal, em que caprichou na meta de acabar com a inflação e formar as bases do crescimento, sob o signo de combate à corrupção. (Aliás, Plano Qüinqüenal é uma invenção de Stalin, depois aprimorada pelos governantes soviéticos.) O acalento janista - a História se repete como farsa - veio substituir o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, embalado pela sacada mercadológica “50 anos em 5”. JK realizou o sonho de construir Brasília, mesmo escancarando a inflação. E assim chegamos ao primeiro fabricante de sonhos da História contemporânea, o baixinho Getúlio Vargas, que fincou as bases do Estado moderno, a partir da siderurgia e do arsenal trabalhista. De modo que o País tem créditos acumulados no banco de idéias que se transformam em realidade e de quimeras que se desmancham no tempo. E é nessa sinuosa trajetória que se encaixa o presente PAC, um amontoado de projetos avaliados em R$ 503 bilhões, montante que impressiona até o momento em que se descobre que a quase totalidade desse montante constitui dinheiro velho, recursos já incluídos no Orçamento da União ou nas intenções de investimentos de empresas.
Esquece-se, mais uma vez, que a questão central é a falta de continuidade entre administrações, equação para resolver problemas de base. Mire-se o exemplo da China, que ganhou este ano o 10º Plano Qüinqüenal, obedecendo a uma lógica de continuidade da estratégia de expressivo crescimento. Aqui, deixando-se levar pelo obreirismo faraônico, que confere visibilidade e votos, governantes incrementam o custo Brasil, esforçando-se para apagar rastros de antecessores e motivar comparações que os favoreçam. O conceito de gestão esbarra na improvisação. Qualidade se confunde com quantidade. Inexiste coordenação para ajustar as demandas do federalismo cooperativo. A esquizofrenia administrativa chega ao clímax. Nem bem foi lançado, o PAC já é objeto de críticas. Governadores se queixam por não terem sido ouvidos. Economistas se revezam na observação de que o crescimento de 5% ficará para as calendas. Enquanto isso, as mazelas encobrem o colchão social, que Lula faz questão de estufar para garantir bons votos. Quem passa pelo interior do Nordeste, por exemplo, se assusta com a multiplicação do “vale-bucho”, apelido do auxílio-maternidade, em torno de R$ 1.450, pagos às mães durante um quadrimestre. O benefício, comparado à diária de um trabalhador rural (R$ 10), incentiva a gravidez. São comuns os casos de 5 filhos por família. Um crime: a prole futura é usada até como commodity na aquisição de bens materiais. Isso mesmo, futuros bebês são usados como garantia de crédito na praça.
E, assim, de atropelo a atropelo, idas e vindas, o Brasil constrói e destrói sonhos, ou, para usar a lição de Nietzsche, abre caminhos repletos de ações e vidas que se repetem uma infinidade de vezes. As novidades sempre são velhas. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. O eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço.
Entrevista:O Estado inteligente
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