Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Míriam Leitão - Destravar usinas



Panorama Econômico
O Globo
31/1/2007

O governo acha que sai hoje a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a usina de Belo Monte. Isso destravaria os trabalhos de preparação do licenciamento da hidrelétrica do Xingu, que tem uma complicação a mais por afetar terras indígenas. O Congresso precisou ser ouvido, mas uma liminar suspendeu os estudos preparatórios. O governo acredita que a liminar será cassada hoje. O Ministério de Minas e Energia acredita também que outras duas polêmicas usinas, as do Rio Madeira, estarão com licença prévia em 15 de fevereiro.

O ministro Silas Rondeau diz que o planejamento do MME prevê um crescimento de 4% a 5% ao ano nos próximos quatro anos. Em parte, com a ajuda de São Pedro:

- Há uma excelente hidrologia. Das 104 usinas da Região Sudeste, 52 estão vertendo (com água excedente no reservatório). Sobradinho e Furnas, que são o pulmão do Sudeste, vão verter até o mês que vem. Se a economia crescer a 5%, não nos faltarão mais que 600 MW; isso é energia equivalente a só uma hidrelétrica, nada que possa significar um apagão.

O ministro diz que poderia faltar energia se não estivessem sendo tomadas as providências que estão sendo tomadas. Porém, quando Rondeau fala, ele considera que tudo vai dar certo, e o ponto dos especialistas é que nada tem dado certo nessa área. A torcida pode ser grande, mas acontecer como o planejado não tem sido regra no setor, cheio de entraves e dúvidas fundamentadas sobre o custo-benefício de cada obra.

Hoje, Rondeau acha que sairá a autorização do STF para que se retomem os estudos ambientais de Belo Monte, no Xingu. A usina havia sido programada para produzir 11 mil megawatts. Será feita em duas etapas para alagar menos terra. A primeira etapa, quando estiver concluída, produzirá 5.500 MW. Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, terão uma capacidade de geração que vai oscilar muito, admite o ministro de Minas e Energia, exatamente pela tecnologia escolhida.

As usinas do Madeira são criticadas pelos ambientalistas, por serem no meio da floresta; pela Bolívia, pois eles acreditam que o regime de águas da cabeceira do rio que fica em território boliviano será afetado; por outras empresas do setor, por acharem que é um jogo marcado para ganhar o consórcio Furnas-Odebrecht, que prepara os estudos iniciais; pelos fiscalistas, porque custarão caro demais; pelos adversários do ambientalismo, porque acham que o governo fez uma concessão que não deveria ter sido feita ao usar a tecnologia bulbo, que dará mais incerteza à geração.

Um empresário me disse o seguinte: "A escolha pela tecnologia bulbo fará com que as usinas funcionem a fio d"água, e isso significa que, na maior parte do ano, não vão produzir energia." Perguntei a Silas Rondeau se esse raciocínio era verdade, e ele respondeu:

- Quase verdade.

Os contra-argumentos do ministro: daqui para diante, como é feito na Europa e no Japão, a maioria das hidrelétricas vai usar a tecnologia bulbo, que reduz muito a necessidade de alagamento. Quando elas estiverem operando a toda carga, vão produzir 6.400 MW, mas aí, como o sistema é interligado, as hidrelétricas do Sudeste poderão poupar água em seus reservatórios e produzir mais na época da seca no Norte, quando a energia de Madeira cairá para 2.000 a 3.000 MW.

O ministro admite que essas usinas maiores ainda vão demorar. Com o STF liberando a conclusão dos estudos hoje sobre Belo Monte, eles começarão a ser feitos. Vão demorar. São o que chamam de "peça antropológica", para cumprir a Constituição, pelo fato de afetar terra indígena. A licitação deve ser só em 2008. Já as do Rio Madeira podem ser licitadas este ano ainda, na opinião do ministério.

Só que elas não vão produzir energia até 2010. Estarão em construção. No caso do Rio Madeira, Furnas e Odebrecht fizeram todos os estudos iniciais e o projeto. Isso significa que elas já ganharam a licitação?

- Não. Pela lei, qualquer empresa pode fazer os estudos técnicos e, se eles perderem a concorrência, serão ressarcidos pelos custos. Eu nem sei se é Furnas que vai estar no consórcio. Pode ser a Eletrobrás - diz Silas Rondeau.

O gás natural terá um pequeno aperto em meados de 2008, admite o ministro. Mas ele acha que, a partir do segundo semestre, tudo se resolverá, quando a Petrobras estiver produzindo GNL no Rio e em Pecém, no Ceará.

- E esse gás a Petrobras importará do mundo, de onde tiver.

Isso reduz a dependência em relação à Bolívia, até porque a situação lá voltou a se complicar, segundo técnicos especializados em energia. O novo ministro Manuel Morales é um radical como era o ex-ministro Andrés Soliz Rada. E ainda é amigo próximo de Evo Morales. Os dois moraram juntos numa espécie de república até recentemente. Amigos de fé, Morales e Morales - que não são parentes, mas é como se fossem - vão agora exigir novos preços da Petrobras. O atual é corrigido com base numa cesta de óleos, só que o preço do petróleo está em queda. Já se prevê confusão entre os técnicos.

- A nomeação de Morales significa, na prática, a volta de um Soliz Rada. E com mais poder - comenta um técnico.

A Petrobras também terá problemas com o Equador, mas por bons e sólidos motivos: ela ganhou uma licitação num governo anterior para explorar petróleo no meio de uma reserva de biosfera da Humanidade. O novo governo deve rever isso.

Em meio às incertezas no setor, o ministro Silas Rondeau não nega que os problemas existam, mas garante que o governo está trabalhando neles.


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