folha
Terminamos 2005 com a perspectiva de magros 2,5% de crescimento do PIB: uma taxa novamente muito menor do que a do restante do mundo, inclusive da própria América Latina, que deverá crescer 4,2%. O ano de 2004 terminou com a celebração do crescimento de quase 5%. O governo estava eufórico, vendo no número a confirmação do acerto de sua política, não obstante esse crescimento fosse medíocre quando comparado ao dos demais países em desenvolvimento. Agora, os mesmos analistas que viam nos 4,9% de 2004 a demonstração da boa política econômica atribuem os parcos resultados de 2005 a essa mesma política. Na verdade, os dois anos refletem dois fenômenos com sinais trocados que determinaram o desempenho econômico do Brasil nos últimos três anos: de um lado, as conseqüências positivas de um monumental ajuste externo, que foi possível graças à depreciação do câmbio provocada por duas crises do balanço de pagamentos (1998 e 2002) e à elevação dos preços e do quantum dos produtos exportados pelo Brasil, graças principalmente à nova demanda chinesa; de outro, as conseqüências desastrosas da perversa política macroeconômica de juros altos e de câmbio baixo que vem caracterizando a economia brasileira desde 1995.
Há uma semana, a Folha publicou o resumo de pesquisa feita pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) que mostrava aumento da concentração de renda no Brasil entre 1994 e 2004, quando se compara o decil mais rico da população com o mais pobre, que contradizia pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicada um mês antes, mostrando tendência inversa. Ainda que o problema da distribuição de renda seja absolutamente central no caso do Brasil, não vou aqui reproduzir os comentários que os dois trabalhos suscitaram, alguns saudando a melhor distribuição, outros lamentando sua piora. Se tivesse que escolher entre os dois resultados, diria que o da Fundação Getúlio Vargas aponta mais na direção dos acontecimentos, porque reflete o enorme esforço orçamentário e humano que o país fez nos últimos 20 anos nos serviços universais de educação e de saúde, e nos mecanismos mais focados de renda mínima, hoje concentrados, em nível federal, no Bolsa-Família. Os rendimentos do trabalho devem ter se tornado um pouco mais equilibrados, mas é bom lembrar que os 10% "mais ricos" ganham em média R$ 3.305 por mês.
Entretanto a pesquisa do Cebrap informa outra coisa, além da piora na distribuição de renda, que, curiosamente, não mereceu comentários. Entre 1994 e 2004, a renda do trabalho dos 10% mais pobres caiu nada menos do que 39,6%, enquanto que a dos 10% mais ricos caiu 21,9%. Ou seja, houve uma queda generalizada nos rendimentos do trabalho. Ocorre que nesse mesmo período, embora o crescimento da renda per capita fosse lamentavelmente pequeno, de qualquer forma foi positivo: cresceu 6,4%. Logo, se a distribuição de renda, incluindo-se todos os rendimentos, e não apenas os do trabalho, houvesse se mantido constante, os rendimentos do trabalho deveriam ter crescido em porcentagem aproximadamente igual ao da renda por habitante, em vez de caírem.
Surge então a pergunta: para onde foi a diferença e quem se beneficiou nesse período? A resposta a essa questão certamente mereceria estudo mais aprofundado do que aquele que posso fazer nesta coluna. Entretanto não é muito difícil decifrar o enigma. O levantamento do Cebrap é sobre os rendimentos do trabalho. Os lucros, os aluguéis e os juros ficaram de fora. Embora os lucros tenham sido generosos nos últimos dois anos, de um modo geral não têm sido estimuladores do investimento. O que não pára de aumentar no Brasil é a remuneração dos rentistas com juros. O Estado é o único grande devedor, e aceita pagar juros astronômicos a seus credores.
Dessa forma, existe uma transferência extraordinária de renda da população pobre que paga impostos indiretos para os rentistas, cuja remuneração média é muito maior do que os R$ 3.305 dos "10% mais ricos". Uma transferência indevida e injusta. Uma transferência muito maior do que aquela que se faz para os pobres através dos mecanismos de renda mínima. Existe um quase-consenso hoje no Brasil de que o gasto mais importante e mais legítimo que o Estado brasileiro faz é o gasto com educação. O Orçamento, porém, não reflete essa convicção. Atualmente, o Estado brasileiro está gastando mais com juros do que com educação!
Não se desperdiça impunemente o dinheiro público nem se mantém a economia desequilibrada do ponto de vista macroeconômico como se vem fazendo no Brasil. Os juros básicos do Banco Central têm sido, nos últimos anos, entre quatro e seis vezes maiores do que o risco-país justifica. Isso é sinal de desequilíbrio macroeconômico grave. O preço que pagamos por não atacarmos esse mal através de uma estratégia que atribua alta prioridade à baixa dos juros é a concentração de renda nos muito ricos; é a quase-estagnação; é crescermos menos do que a metade do que crescem os demais países, e muito menos do que a metade do que crescem os países que têm verdadeiras estratégias nacionais de desenvolvimento.
Entrevista:O Estado inteligente
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